Digital Shift Summit: O futuro constrói-se com evoluções e não com revoluções

O Digital Shift Summit, que teve lugar no Porto, no dia 13 de Março, reuniu diversas empresas da indústria do calçado para reflectirem sobre o processo de transformação digital nesta área, numa iniciativa promovida pela Mind, a APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, e o CTCP – Centro Tecnológico do Calçado de Portugal.

No evento foram apresentados projectos nacionais e internacionais e demonstrações práticas das inovações que estão a moldar o futuro da indústria. Este foi também o momento de apresentação do FAIST, um projecto financiado pelo PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), feito em parceria com o CTCP e que pretende transformar a indústria do calçado português, tornando-a mais ágil, inteligente, sustentável e tecnológica.

João Maia, director geral da APICAPS, deu as boas-vindas, fazendo um enquadramento da importância deste projecto. «Hoje promovemos mais uma acção de demonstração do projecto FAIST, focado nas tecnologias de desenvolvimento de produto. Com o apoio do PRR, reunimos mais de 50 empresas que renovaram a sua ambição de se tornarem mais ágeis, inteligentes, sustentáveis e tecnológicas. Este é um momento de grande importância para a nossa indústria. Os mercados internacionais estão cada vez mais exigentes e é fundamental encontrarmos novos caminhos para impulsionar o sector», começou por evidenciar.

Realçando que este é um dos maiores ciclos de investimento de sempre no sector do calçado e uma prova da confiança dos empresários no futuro da indústria, o director geral da APICAPS adiantou que «com esta acção, o objectivo é garantir que estas novas tecnologias fiquem acessíveis a um vasto número de empresas. Só através da partilha de resultados e desafios podemos ambicionar novos ciclos de investimento e contribuir para uma indústria mais dinâmica e competitiva a nível internacional».

Já José Pulido Valente, director do IAPMEI, começou por dizer que reserva dias para estar no terreno, junto das empresas, em contacto com as pessoas, para ver a realidade. «Se alguma coisa a vida me mostrou, é que a estatística e os números não traduzem a realidade. Nada, mas nada, consegue igualar o contacto pessoal e directo», partilhou.

Sobre o FAIST, o mesmo responsável agradeceu a oportunidade de poder testemunhar o trabalho já desenvolvido neste ambicioso projecto que pretende reforçar a indústria, aumentar a competitividade e preparar-nos para o futuro. «Esta colaboração entre grandes e pequenas empresas, indústria e academia, com o suporte das políticas públicas e focada em resultados, parece-me essencial para os tempos que vivemos», acrescentou.

O director do IAPMEI sublinhou, ainda, alguns desafios que a indústria enfrenta: «Acreditávamos ter encontrado os novos paradigmas – a revolução verde, a digitalização, a economia circular, a reciclagem – mas, de repente, vemo-nos perante um mundo onde a globalização se traduz em mais tarifas, os aliados não são assim tão aliados, e a Europa já não é tão segura. Temos de nos preparar e o sector do calçado é um exemplo de resiliência. Muitos consideram-no tradicional, mas a verdade é que não é um sector tradicionalista, mas sim inovador e ambicioso», defendeu.

Na opinião de José Pulido Valente, e apesar das incertezas, Portugal está bem preparado. «Temos contas públicas equilibradas, um saldo positivo na balança de pagamentos externos, um crescimento forte do turismo e das exportações. Somos, a seguir a Espanha, o país da Europa que mais cresce de forma sustentável», partilhou, acrescentando, «muitas vezes, fala-se de sustentabilidade apenas no contexto climático, mas a primeira sustentabilidade é a económico-financeira das empresas. No fim, tudo se resume à inovação, competitividade e capacidade de entrega».

Na verdade, na opinião do mesmo responsável, o futuro constrói-se não com revoluções, mas com evoluções. «As revoluções podem acontecer, mas para garantir a nossa sobrevivência no curto prazo e estarmos preparados para grandes mudanças, temos de capitalizar no que já fazemos, evoluindo constantemente. A evolução é a forma mais inteligente de progresso», concluiu.

PROJECTO FAIST

Coube a Florbela Silva, do CTCP (Centro Tecnológico do Calçado de Portugal), a apresentação do projecto FAIST, uma Agenda Mobilizadora para o sector do calçado, reunindo diversas empresas com um objectivo comum. «A nossa visão de futuro está alinhada com o Plano Estratégico 2030 do cluster do calçado. Não queremos competir apenas pelo preço, mas ser reconhecidos pela qualidade dos nossos produtos. Queremos oferecer produtos de valor acrescentado, desenvolvidos por empresas modernas e tecnológicas, apostando na eficiência produtiva, criatividade, design e métodos de construção diferenciadores», afirmou.

O objectivo é Portugal ser uma referência internacional na indústria do calçado, reforçando as exportações e combinando sofisticação e criatividade com eficiência produtiva, sustentados no desenvolvimento tecnológico e na gestão global da cadeia de valor. «Queremos garantir o futuro de uma base produtiva nacional, sustentável e altamente competitiva», defendeu.

Assim, o FAIST tem como missão aumentar a produção nacional de bens e equipamentos tecnológicos, permitindo que as empresas do sector adoptem soluções inovadoras para se tornarem mais eficientes. Pretende, ainda, promover a produção de calçado alternativo, explorando novas tipologias de produtos de elevada qualidade, reforçar a flexibilidade produtiva, possibilitando a produção de grandes, médias e pequenas encomendas, e apostar na sustentabilidade, promovendo a criação de produtos inovadores e sustentáveis. Além disso, inclui a criação de unidades piloto para teste, validação e experimentação de novas tecnologias. «Para atingir estes objectivos, juntaram-se 43 parceiros num consórcio completo, que integra empresas que desenvolvem tecnologias – desde bens e equipamentos a software e diferentes tipos de calçado –, empresas que adoptam estas soluções, centros tecnológicos, universidades e a APICCAPS, responsáveis pela criação de conhecimento e apoio científico.

O projecto envolve um investimento de 49 milhões de euros, com um incentivo de 30 milhões de euros. Actualmente, a execução está em cerca de 75%, tendo o projecto iniciado em Junho de 2022, com conclusão prevista para o final deste ano. Os resultados esperados são ambiciosos: estão previstos o lançamento de 30 novos equipamentos industriais, cinco linhas de produção automáticas integradas, 20 soluções de software para gestão da produção e desenvolvimento de novos produtos, incluindo tecnologias de impressão 3D, e nove novos componentes inovadores. Além disso, serão criadas três unidades piloto para demonstração e validação de tecnologias. No total, são cerca de 80 resultados tecnológicos, que resultarão na comercialização de 34 novos produtos, processos ou serviços (PPS).

A par da inovação tecnológica, estão previstas mais de 130 acções de disseminação e capacitação, incluindo webinars, vídeos, publicações, podcasts, formações e masterclasses para jovens recém-contratados sem experiência na indústria. Um dos impactos mais significativos do FAIST será, por isso, a criação de 300 novos postos de trabalho, 100 dos quais altamente qualificados. Apesar da adopção de automação e robótica, o sector continuará a precisar das pessoas para ensinar, monitorizar e controlar as máquinas. As tecnologias não substituem os trabalhadores, mas complementam e optimizam a produção. «A nossa agenda está muito focada na automação e robótica, mas, ainda assim, serão criados 300 novos empregos. Isto mostra que a inovação e a tecnologia podem ser aliadas da criação de emprego», rematou.

«Acreditamos que a digitalização será um dos grandes motores da transformação da indústria do calçado», garantiu Cristiano Figueiredo, responsável pela unidade de Digitalização, Automação e Robótica do CTCP.

O objectivo do FAIST é, assim, apoiar as empresas nesta transformação digital, fornecendo-lhes ferramentas que promovam maior agilidade, flexibilidade, inovação nos processos de criação e gestão, optimização da troca de conhecimento e capacitação das equipas. Para isso, estão a ser desenvolvidas soluções tecnológicas que permitirão às empresas ter um maior controlo sobre a produção e a cadeia de valor, reduzindo a incerteza na tomada de decisões e padronizando o fluxo de informação.

Entre as ferramentas disponibilizadas, destacam-se as soluções de software da Mind, que permitem uma melhor integração dos processos produtivos, possibilitam a personalização dos produtos e aumentam a digitalização dos processos. «O sector do calçado conhece-se bem a si próprio, mas, por vezes, precisa de conhecimento científico que o ajude a dar o próximo passo. A revolução e a evolução estão a acontecer agora, e os avanços que estamos a ver hoje resultarão em produtos melhores e mais competitivos. Portugal tem não só a capacidade de exportar calçado inovador, mas também soluções tecnológicas para a indústria, que podem ter impacto no mercado global», concluiu Cristiano Figueiredo.

PARCERIAS DE SUCESSO

Várias empresas estão a ter um papel activo na digitalização de processos no âmbito do sector têxtil e do calçado, e muitos deles são clientes do software desenvolvido pela Mind. A Columbia Sportswear é um deles. Através do software Mind ShoeDesign, a empresa conseguiu melhorar a fase inicial de concepção do produto, assegurando proporções exactas e designs funcionais. A tecnologia 3D também foi integrada no processo e ajudou a reduzir o desperdício e a aumentar a eficiência.

Já António Macedo, CEO da Softideia, apresentou o Softgi, um sistema concebido para aumentar a eficiência e competitividade das empresas do sector. A seguir, Rui Mendes, gerente da Olifel, focou-se na gestão flexível de produção e no protocolo universal de troca de dados, destacando a forma como a inovação tem impulsionado a transformação no sector do calçado. O responsável explicou os desafios da empresa na digitalização e optimização da produção, a começar pela área comercial. Filipe Ribeiro, gestor de Projectos de Inovação da JPM Industry, apresentou o sistema automatizado de gestão de armazém desenvolvido pela empresa. Especializada em automação industrial, a JPM distingue-se pela combinação de competências em engenharia e produção fabril, contando com 170 colaboradores qualificados.

Com quase 100 anos de história e 40 anos de especialização no calçado de outdoor, a empresa familiar Abílio P. Carneiro & Filhos S.A tem acompanhado o mercado e, em parceria com a Mind, desenvolveu o software Variant Builder, uma ferramenta que visa responder às novas exigências dos consumidores. «Com o Variant Builder, conseguimos que o público crie o seu próprio modelo no momento, sem necessitar de pedir um novo modelo 3D ou uma nova configuração», realçou Alexandre Carneiro, bisneto do fundador da empresa centenária.

José Augusto Santos, da Expandindustria, destacou o papel do projecto FAIST na digitalização da indústria do calçado, com foco na comunicação, avaliação de desempenho e capacitação. Salientou que a baixa produtividade é um problema crescente e que o FAIST visa inverter essa tendência.

Susana Caldas, da Nimco, abordou a digitalização na produção de calçado ortopédico e especial, destacando o papel de tecnologias como impressão 3D, CAD e análise de dados que tornam os processos mais rápidos, personalizados e sustentáveis. A parceria com a Mind trouxe avanços digitais, reduzindo o uso de papel e optimizando o processo de modelação e corte, desde a digitalização da forma com o MindLAST até ao corte final com o MindCUT, que identifica automaticamente defeitos na pele e organiza as peças a cortar.

Vera Teixeira, da Celita, apresentou um sistema offline de corte automático que melhora a eficiência na produção de calçado. A solução integra o Mindgest PDM com softwares como o MindCAD e o Softideia, gerindo automaticamente processos como notas de produção e digitalização de peles com o DIVA, que permite maior rentabilidade no aproveitamento da matéria-prima.

Milton Duarte, da Procalçado, explorou o uso de renderização como alternativa à fotografia no design de calçado, falando do trabalho para a marca Lemon Jelly. Explicou como o rendering, utilizando ferramentas como o MindLast, reduz desperdícios de tempo e materiais ao eliminar a necessidade de criar amostras físicas, que podem nem entrar na colecção final.

A fechar o evento, Luísa Correia, directora geral do CTCP, sentiu que a missão está a ser cumprida e que eventos como este são uma inspiração sobre o futuro da indústria. «A indústria portuguesa de calçado sempre se destacou pela sua excelência e inovação. Mas a competitividade do futuro exige que continuemos a evoluir. Hoje, ficou claro que a transformação digital não é uma opção. É um caminho incontornável para garantir um crescimento sustentável e fortalecer a nossa posição no mercado global», constatou.

No final, João Bernardo, CEO da Mind, reforçou o sucesso da iniciativa: «É uma enorme satisfação chegar a este momento de um projecto tão longo e colaborativo, onde podemos apresentar resultados concretos – seja em novos produtos prestes a ser lançados ou no aprimoramento dos existentes. Obrigado a todos!».

Este artigo faz parte da edição de Abril (n.º 229) da Executive Digest.