Por Nelson Ferreira Pires, Presidente da Fundação Marquês de Pombal
Enquanto o Estado se mostra cada vez mais ineficiente e burocrático, vivendo numa espécie de autofagia institucional, as autarquias têm-se revelado como o motor mais dinâmico e eficaz da administração pública em Portugal. A sua proximidade com os cidadãos permite uma resposta mais célere às necessidades locais, contrastando com a lentidão e a falta de transparência que caraterizam o aparelho central. No entanto, e como em toda a regra existe uma exceção, a cidade de Lisboa parece ir em contracorrente, espelhando os mesmos males do Estado que, por norma, as autarquias evitam.
A inércia do Estado vs. a agilidade das autarquias é gigantesca. O Estado, com as suas falhas sistemáticas de gestão e um excesso de burocracia que torna os serviços públicos inacessíveis, parece viver numa bolha. A falta de transparência e a ausência de responsabilização agravam um quadro já de si preocupante. Em contraste, a grande maioria das câmaras municipais demonstra maior capacidade de resposta e eficiência, traduzindo-se numa melhoria real da qualidade de vida dos seus munícipes. A lógica é simples: as autarquias estão mais próximas dos problemas e, por isso, mais aptas a encontrar soluções.
Contudo, existe um problema transversal a todas as administrações, que trava o avanço de projetos importantes: a contratação pública. Este sistema, excessivamente burocrático, processual e pesado, raramente resulta na melhor decisão pública. Os concursos, embora “finjam” ser transparentes, atrasam os projetos e colocam as decisões nas mãos de gestores da administração pública, que nem sempre têm o poder ou o conhecimento necessário para tomar a melhor opção. Ou então no recurso de escritórios de advogados que são especialistas a contestar decisões e adiá-las “sine didm”. Este é um peso que afeta a eficiência de todas as autarquias, mas que em Lisboa, devido à complexidade e dimensão dos projetos, se torna ainda mais evidente.
Lisboa é um caso de estudo e alerta!
A capital portuguesa é um exemplo preocupante de como uma autarquia pode adotar os piores vícios do Estado. A cidade, que deveria ser um espelho de excelência, enfrenta problemas estruturais graves. Dos registos de reclamações de 2024, espanta que mais de 73% das queixas dirigidas a câmaras municipais em todo o país tenham como alvo a Câmara de Lisboa, com a limpeza urbana a ser uma das principais preocupações. É uma ironia que, num dos destinos turísticos mais procurados da Europa, a limpeza seja um problema crónico, especialmente quando a taxa turística poderia ser um meio para o resolver.
A gestão financeira também levanta sérias dúvidas. Com contas públicas a registar resultados negativos em 2023 e 2024, e um aumento significativo da dívida e do passivo, a Câmara de Lisboa parece seguir a mesma rota de despesismo e falta de rigor que frequentemente se critica ao poder central. A falha admitida em 2023 na contagem de alojamentos locais, com uma margem de erro de cerca de 40%, é um sinal claro da falta de controlo e organização que assola a autarquia.
O problema de Lisboa, contudo, tem raízes ainda mais profundas: a política. Ao contrário de outros municípios, as eleições em Lisboa são vistas como uma sondagem às tendências nacionais. Os candidatos são muitas vezes políticos com um “perfil e ambição nacional”, que não conhecem a cidade nem os seus problemas de forma aprofundada, e que veem a autarquia como um trampolim para “voos mais altos”. Esta falta de ligação e compromisso com o território compromete a gestão e impede o desenvolvimento de soluções sustentáveis a longo prazo.
A grande obra do “regime da câmara municipal de Lisboa”, o Plano Geral de Drenagem de Lisboa, é um exemplo perfeito desta inação. Passou por seis presidentes de câmara ao longo de duas décadas, só tendo sido efetivamente iniciado neste mandato, embora não seja da sua autoria. Este ciclo de procrastinação e os avultados montantes envolvidos ilustram a falta de capacidade de Lisboa e dos seus políticos, para gerir projetos de forma eficaz.
A gestão de infraestruturas também tem sido alvo de fortes críticas. Houve casos de fiscais de obras sem qualificações e de funcionários condenados por corrupção, que a Câmara só demitiu após a divulgação de um processo. Este tipo de falhas na fiscalização e na transparência comprometem a segurança e a qualidade das obras na cidade.
A gestão do atual autarca, tem sido alvo de críticas contundentes em várias frentes. Na habitação, com o cancelamento de 1.500 casas, a realidade para a maioria dos lisboetas é a de um mercado inacessível, com rendas médias a rondar os 1.200 euros por mês. Já no trânsito, não se implementam medidas para o desafogar. Por outro lado, o problema dos transportes públicos mantém-se, e a greve do Metropolitano de Lisboa em novembro de 2021, que coincidiu com o início desta gestão, evidenciou a complexidade de gerir a mobilidade na cidade.
Outros problemas sociais e urbanos também se aprofundaram. A crescente e visível presença de pessoas sem-abrigo nas artérias mais importantes da cidade, como o Martim Moniz ou a Baixa, é um sinal de que as respostas sociais da autarquia são insuficientes. A isto junta-se a falta de creches e respostas para a primeira infância, com pais a queixarem-se da escassez de vagas e da ausência de um plano eficaz para resolver a situação.
Em paralelo está o exemplo de Oeiras: um concelho entre a gestão e a ambição. Se Lisboa é um alerta, Oeiras é um exemplo a seguir. “Encravado” entre vários grandes e distintos concelhos como Lisboa, Cascais, Sintra e Amadora, o município de Oeiras afirmou-se como um grande polo na área metropolitana de Lisboa. A sua gestão autárquica, consistente e com visão de longo prazo, orientada para a proximidade, a eficiência e o planeamento a estratégico, traduziu-se em resultados palpáveis. É um exemplo de como uma liderança focada nos problemas locais, com uma visão estratégica, pode transformar um território.
A gestão de Oeiras, com as suas contas públicas equilibradas e a sua capacidade para atrair investimento e criar emprego, demonstra que o sucesso de uma autarquia não depende da sua dimensão, mas sim da qualidade dos seus gestores e do seu compromisso com o bem-estar dos cidadãos.
Em suma, se as autarquias se afirmam como uma resposta mais ágil e eficiente em comparação com o Estado, Lisboa é a exceção que confirma a regra. A capital, em vez de liderar pelo exemplo, parece estar a reproduzir as piores falhas de um Estado que se consome a si próprio. É um alerta para o que pode acontecer quando a proximidade do poder local se perde em burocracia, falta de planeamento e ausência de transparência.
É tempo de Lisboa se alinhar com o que de melhor se faz no poder local do resto do país!




