Por Sandra M. Pinto
Em entrevista, Américo Mendes, Diretor Geral Business da DPD Portugal, partilha a sua visão sobre o impacto deste modelo de consumo na logística, os desafios e oportunidades que traz ao setor, e como a DPD está a responder às exigências de um mercado cada vez mais digital, consciente e exigente. Do crescimento dos lockers ao papel da tecnologia na construção de confiança entre consumidores, esta conversa traça o futuro de um e-commerce mais circular, eficiente e sustentável.
Dois em cada três portugueses já compram em segunda mão online. O que está a impulsionar este crescimento tão expressivo nos últimos anos?
Em Portugal, o crescimento das compras online de produtos em segunda mão, que já envolve 67% dos e-shoppers, é impulsionado sobretudo por três fatores principais. Em primeiro lugar, o preço, que continua a ser o critério mais decisivo para a maioria dos consumidores – 78% colocam o custo como fator determinante -, o que torna o mercado C2C particularmente atrativo num contexto económico desafiante. Em segundo lugar, existe uma mudança de mentalidade, com uma valorização crescente da sustentabilidade e da economia circular, levando os portugueses a ver estas compras como uma forma mais consciente e responsável de consumir. Por fim, a maturidade digital e o reforço da confiança nas plataformas C2C facilitaram a adoção deste modelo, tornando a experiência mais simples, segura e conveniente, algo que se reflete também na expansão das entregas out-of-home, como os lockers – utilizados por 14% dos e-shopper – e as lojas Pickup, que respondem à procura por maior flexibilidade e autonomia.
A acessibilidade e o preço continuam a ser os principais fatores de escolha, mas a sustentabilidade está a ganhar relevância. Até que ponto este fator está a influenciar as decisões de compra dos portugueses?
A sustentabilidade está a deixar de ser um argumento secundário e a tornar-se um verdadeiro critério de decisão para um número crescente de consumidores. Embora a acessibilidade e o preço continuem a ser determinantes, muitos portugueses já olham para a compra e venda em segunda mão como uma forma de reduzir o desperdício e prolongar o ciclo de vida dos produtos, contribuindo assim para um modelo de consumo mais circular.
Os dados deste ano revelam que esta preocupação ambiental é particularmente visível entre as gerações mais jovens, mas começa também a ganhar espaço entre consumidores mais maduros, que reconhecem na economia circular uma oportunidade para conjugar poupança e responsabilidade ambiental. Este equilíbrio entre valor económico e impacto positivo está a consolidar-se como uma nova forma de consumir – mais consciente, informada e alinhada com os desafios climáticos e sociais da atualidade.
Que perfis de consumidores estão mais recetivos à compra em segunda mão – por exemplo, há uma predominância entre os mais jovens, como a Geração Z?
A Gen Z (18-27 anos) é, sem dúvida, um dos grupos mais recetivos ao modelo de compra em segunda mão. Apesar de ainda representarem uma geração em fase de consolidação financeira – apenas 25% são economicamente independentes mas 49% ainda vivem com os pais -, o seu comportamento é altamente revelador: são consumidores digitais, exigentes e mais atentos ao impacto ambiental das suas escolhas, que privilegiam experiências rápidas, simples e alinhadas com os seus valores. No entanto, a compra e venda em segunda mão não é exclusiva dos mais jovens. O crescimento de 7 p.p. no universo total de e-shoppers entre 2023 e 2025 mostra que este tipo de consumo está a democratizar-se e a ganhar terreno também entre consumidores adultos, que valorizam a conveniência, a segurança nas transações e o apoio logístico eficiente.
Como vê a evolução das plataformas C2C (consumer-to-consumer) em Portugal? Estão a tornar-se concorrência direta do retalho tradicional e dos marketplaces globais?
As plataformas C2C deixaram de ser um fenómeno marginal e estão a afirmar-se como uma faceta estruturante do comércio eletrónico português. O facto de dois em cada três e-shoppers (67%) comprarem em segunda mão demonstra que este modelo já é parte integrante dos hábitos de compra dos portugueses. Mais do que concorrência ao retalho tradicional, o C2C surge como um complemento natural a um ecossistema de consumo mais maduro, em que o preço, a conveniência e a confiança são determinantes. A expansão das soluções logísticas – como os lockers e as parcel shops, reforça o crescimento deste modelo. Ao proporcionar uma experiência de entrega fluida e segura, a DPD Portugal contribui para que o mercado C2C cresça de forma sustentada, lado a lado com os marketplaces e o retalho digital, disponibilizando neste momento uma rede composta por mais de 2 100 pontos de recolha e entrega de encomendas.
Quais são os principais desafios enfrentados pelos consumidores ao comprar em segunda mão online, e como é que o setor pode melhorar essa experiência?
O principal desafio continua a ser a confiança – tanto na segurança das transações, como na previsibilidade das entregas. Ao contrário das compras realizadas em retalhistas, as transações entre particulares exigem um elevado nível de fiabilidade e transparência, para garantir que todo o processo decorre de forma simples e sem imprevistos. O setor tem, por isso, a responsabilidade de investir em soluções logísticas mais intuitivas e rastreáveis, que reforcem a comodidade e a segurança em cada etapa. É precisamente nesse sentido que a DPD Portugal tem vindo a atuar: através de ferramentas como a app myDPD, que permite o acompanhamento em tempo real das encomendas, e da expansão contínua da rede de lockers e lojas Pickup, que oferecem maior flexibilidade, autonomia e conveniência ao consumidor.
O shipitsimple, por exemplo, uma solução de expedição inovadora na qual não é necessário partilhar dados pessoais entre os utilizadores, é uma ferramenta ideal para este tipo de transações. O facto de ser possível enviar sem etiqueta e com um QR code que é lido na loja ou no locker, torna o processo mais simples e melhora, inquestionavelmente, a experiência do cliente.
Ao tornar a experiência de envio e receção mais previsível e controlada, a DPD contribui para consolidar a confiança no modelo C2C.
No estudo, 43% dos portugueses ainda compram fora do país, principalmente por questões de preço. O que falta ao e-commerce nacional para reter mais consumidores?
Esta realidade deve-se, sobretudo, ao facto de o preço continuar a ser o principal fator de decisão dos consumidores portugueses, aliado à perceção de que os mercados internacionais oferecem maior variedade e disponibilidade de produtos.
Para reter mais clientes, o e-commerce nacional precisa de reforçar a sua competitividade e oferecer uma experiência de compra mais completa, previsível e confiável – uma vez que o consumidor português valoriza cada vez mais não apenas o preço, mas também a qualidade da entrega e a fiabilidade do serviço, aspetos que se tornaram decisivos na satisfação e fidelização. Neste contexto, elementos como entregas rápidas e flexíveis, acompanhamento transparente das encomendas, apoio pós-venda eficaz e processos de devolução simples e gratuitos são fundamentais para criar confiança e reduzir a preferência por plataformas estrangeiras.
Ao concentrar-se nestes pontos, o e-commerce nacional consegue não só competir em termos de preço, mas também oferecer uma experiência de compra superior, capaz de fidelizar os consumidores e consolidar o mercado interno.
Apesar da forte presença da Geração Z nas redes sociais, apenas 39% compra através delas. Por que razão essa transição do consumo de conteúdo para a compra direta ainda não se concretizou?
Embora 100% da Geração Z utilize redes sociais semanalmente e 92% recorra a estas plataformas para se inspirar nas suas compras, apenas 39% efetua transações diretamente via social commerce, um valor significativamente abaixo da média europeia (61%).
Esta diferença explica-se principalmente por dois motivos. Primeiro, a confiança: apesar de serem nativos digitais, os jovens portugueses continuam a associar a segurança e a fiabilidade das compras às plataformas de e-commerce tradicionais, procurando garantias quanto ao pagamento, à entrega e às políticas de devolução. Segundo, a experiência de compra nas redes sociais ainda não está totalmente integrada: os processos de checkout, o acompanhamento das encomendas e o suporte pós-venda permanecem limitados, dificultando que o interesse se transforme em compra direta.
À medida que o social commerce evoluir, incorporando pagamentos seguros, rastreabilidade completa e políticas de devolução claras, espera-se que esta transição aconteça mais rapidamente. Até lá, as redes sociais continuarão a desempenhar um papel essencial como fonte de inspiração e descoberta, influenciando decisões de compra mais do que funcionando como canal direto de transação.
Como as transportadoras, como a DPD Portugal, estão a adaptar-se a estas novas exigências dos consumidores, nomeadamente no que diz respeito a entregas mais flexíveis e sustentáveis?
A DPD Portugal tem vindo a adaptar-se a um consumidor que exige cada vez mais rapidez, flexibilidade e sustentabilidade nas entregas. Para dar resposta a estas necessidades, reforçámos a nossa capacidade operacional com o maior centro logístico em Loures, equipado com um sistema crossbelt único em Portugal, capaz de processar até 10.000 encomendas por hora, e com a abertura de um novo hub em Leiria, que fortalece a operação na região centro do país. Estes investimentos permitem aumentar a rapidez e a fiabilidade das entregas, garantindo cobertura eficiente em todo o território.
Paralelamente, continuamos a apostar em soluções de entrega out-of-home, com uma rede de mais de 1.600 lojas Pickup e 450 lockers, permitindo que os clientes escolham onde e quando receber as suas encomendas de forma autónoma e conveniente. Esta procura traduz-se em números: a utilização de lockers subiu 5 pontos percentuais face a 2023, atingindo 14% dos e-shoppers portugueses, refletindo a preferência por soluções práticas e flexíveis.
A sustentabilidade é outra prioridade: temos vindo a renovar a nossa frota com veículos elétricos e de baixas emissões e a investir em tecnologia de acompanhamento em tempo real, garantindo uma experiência transparente e fiável, enquanto otimizamos rotas e reduzimos emissões.
Na DPD Portugal, acreditamos que a entrega do futuro será aquela que combina eficiência, conveniência e responsabilidade ambiental, assegurando um serviço de excelência para clientes e retalhistas no mercado de e-commerce.
Os lockers são uma tendência em crescimento, com 14% de adoção em Portugal. Quais são as perspetivas para esta solução nos próximos anos?
Os lockers representam uma das tendências mais sólidas e transformadoras do e-commerce em Portugal. Entre 2023 e 2025, a sua utilização aumentou cinco pontos percentuais, passando de 9% para 14%, refletindo uma crescente preferência por soluções que oferecem autonomia, rapidez e liberdade de horários. Embora Portugal ainda esteja abaixo da média europeia (27%), o potencial de crescimento é elevado, especialmente entre os consumidores mais jovens e os compradores frequentes, que valorizam a conveniência, autonomia e flexibilidade que os lockers proporcionam. Para além de facilitar a recolha de encomendas, os lockers contribuem de forma significativa para a sustentabilidade das operações logísticas, ao otimizar rotas, reduzir deslocações individuais e diminuir as emissões de CO₂, promovendo assim um e-commerce mais eficiente e ambientalmente responsável.
Face a esta tendência e as suas vantagens, a DPD Portugal continuará a expandir a rede de lockers e pontos Pickup, que rapidamente chegará a mais de 3.000 locais de entrega e recolha em todo o país, com o objetivo de tornar as entregas out-of-home mais acessíveis e integradas no dia a dia dos clientes.
Com a digitalização crescente do consumo, acredita que a compra de artigos em segunda mão online poderá ultrapassar, em alguns segmentos, a compra de novos produtos?
A compra de artigos em segunda mão online está a tornar-se cada vez mais relevante em Portugal, com 67% dos portugueses a utilizarem plataformas C2C. Este crescimento é particularmente forte em categorias como moda (64%), beleza e saúde (53%), calçado (43%) ou livros (42%), que estão entre as mais procuradas pelos e-shoppers.
O aumento deste tipo de consumo deve-se a vários fatores: o preço competitivo, a maior aceitação cultural da segunda mão e a crescente preocupação com a sustentabilidade. Em alguns segmentos, estas condições podem levar o mercado de produtos usados a aproximar-se ou mesmo superar o mercado de produtos novos em volume de compras. Com soluções logísticas cada vez mais fiáveis e práticas, que simplificam o envio e a recolha, o comércio circular está a consolidar-se como uma componente estruturante do e-commerce do futuro.














