Soldados russos que se recusam a combater na guerra da Ucrânia estão a ser submetidos a castigos brutais e degradantes por parte dos seus próprios superiores, revela uma investigação da CNN com base em vídeos partilhados nas redes sociais, interceções de rádio e testemunhos diretos. A realidade dentro das fileiras do exército russo é descrita como um ambiente de medo, repressão e violência arbitrária, onde a deserção é punida não só com prisão, mas também com práticas sádicas no próprio campo de batalha.
Uma das punições mais chocantes foi registada em vídeo: dois homens, aparentemente desertores, são forçados a lutar um contra o outro dentro de um buraco raso, sendo-lhes dito que apenas o vencedor poderá sair vivo. Os soldados russos apelidam esta prática de “sacrifício a Baba Yaga”, nome de uma bruxa temida do folclore eslavo, aqui associado aos drones ucranianos que sobrevoam o campo de batalha em busca de alvos humanos.
Num dos vídeos mais perturbadores, um soldado é amarrado a uma árvore e abandonado, enquanto uma voz por trás da câmara avisa: “Se o drone chegar aqui, vai largar tudo em cima de ti”. Segundo a CNN, essa prática foi confirmada por um comandante ucraniano de drones conhecido pelo pseudónimo Munin, que afirma já ter testemunhado a cena duas vezes, além de múltiplas interceções de rádio com ordens explícitas para amarrar desertores como castigo. “A qualquer drone ucraniano de grande porte chamam Baba Yaga. Espalha um pânico terrível entre os feridos. Para eles, é uma espécie de mito assustador que voa e mata toda a gente”, explicou Munin.
Noutro vídeo, um soldado russo aparece com um balde enferrujado na cabeça, amarrado a uma árvore. Depois de retirarem o balde, é brutalmente pontapeado na cara e, em seguida, aparentemente urinado. Noutra gravação, três homens em tronco nu são encontrados escondidos num tanque metálico, com uma voz a provocar: “É hora de alimentar os animais! Os que tentaram fugir!”.
Há também registos de punições conhecidas entre os soldados como “o carrossel”: um homem é amarrado por um cinto ao eixo de um jipe e arrastado em alta velocidade por um campo, enquanto grita de dor.
Apelos a Putin e denúncias de abusos
As redes sociais, nomeadamente o Telegram, tornaram-se o principal canal para queixas de soldados russos e suas famílias, num contexto em que o Kremlin evita abordar publicamente a questão da deserção. Numa das publicações, um militar identificado como Yuri Duryagin dirige-se diretamente a Vladimir Putin: “Caro Vladimir Vladimirovich…”. Duryagin relata ter combatido na região de Donetsk, onde, devido à falta de equipamento e munições, apenas 32 dos cerca de 150 homens da sua companhia sobreviveram a um ataque.
Acusa ainda os superiores de o privarem do salário e de encobrirem mortes em combate para evitar o pagamento de compensações às famílias. “Vi pessoalmente camaradas morrerem diante dos meus olhos. Foram mortos. Os pais tentavam obter informações, mas diziam-lhes que a pessoa estava desaparecida”, afirmou. Num dos relatos mais graves, acusa um comandante de ter executado soldados que se recusaram a atacar uma posição fortemente defendida: “Encostou pessoas à parede porque simplesmente se recusaram a enfrentar uma metralhadora”.
Segundo Grigory Sverdlin, fundador da organização Get Lost, sediada em Barcelona e especializada em ajudar russos a evitarem o recrutamento ou a desertarem, mais de 1.700 pessoas já foram auxiliadas desde o início da invasão. Estima-se que o número total de desertores russos chegue às dezenas de milhares. O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com base em dados divulgados pelo Ministério da Defesa russo, aponta para cerca de 50.000 deserções desde 2022.
A deserção é oficialmente punida com até 15 anos de prisão, mas os vídeos sugerem uma cultura de punição extrajudicial imediata e cruel. “A violência é o que mantém o exército russo unido”, declarou Sverdlin à CNN. “Os oficiais dizem-lhes: ‘estarão todos mortos numa semana’. Para eles, perder um veículo é pior do que perder 10 ou 20 soldados.”
A falta de formação militar adequada agrava o problema. Muitos soldados recebem apenas entre uma a três semanas de treino antes de serem enviados para o campo de batalha. Um sentimento generalizado de desmotivação alastra entre os combatentes russos. “Alguns dizem apenas: ‘não quero morrer aqui’. Mas as palavras mais comuns são: ‘não é a minha guerra… não percebo o que estamos a fazer aqui’”, relatou Sverdlin.
A brutalidade infligida aos próprios soldados por recusarem combater revela não apenas o desespero de um exército em crise, mas também o colapso moral e organizativo das forças armadas russas na frente ucraniana. Enquanto o Kremlin tenta manter a narrativa de força e patriotismo, os vídeos que escapam da linha da frente mostram uma realidade marcada pelo medo, repressão e desumanização.
De acordo com estimativas de fontes ocidentais e académicas, cerca de um milhão de militares russos terão sido mortos ou feridos desde o início da invasão, em fevereiro de 2022. Só em 2025, segundo o Secretário-Geral da NATO, terão morrido 100 mil soldados russos.













