Um agente comercial que trabalhava em regime de teletrabalho há mais de 15 anos morreu na sua residência, em abril de 2021, na sequência de um enfarte, desencadeando uma disputa entre a Segurança Social francesa e a entidade empregadora quanto à natureza do óbito. Segundo divulgou o jornal francês Le Figaro, o trabalhador ligou o computador às 6h35 para iniciar o dia de trabalho, mas cerca de hora e meia depois foi encontrado sem vida pela mulher. A autópsia certificou que a morte resultou de um enfarte ocorrido em casa.
A empresa comunicou o sucedido à Caixa Nacional de Seguro de Saúde (CPAM), organismo da Segurança Social francesa responsável pela gestão do seguro médico estatal. Contudo, logo nas primeiras horas surgiram dúvidas quanto às circunstâncias da morte, já que tanto a própria entidade empregadora como a administração pública apontavam para a ausência de provas de que o trabalhador estivesse efetivamente em funções naquele momento.
Numa primeira avaliação, a CPAM classificou o caso como acidente laboral, aplicando a presunção prevista na lei francesa para trabalhadores em regime de teletrabalho — que considera automaticamente acidente de trabalho qualquer ocorrência durante o desempenho das funções. A empresa contestou a decisão, defendendo que o trabalhador se conectara antes do horário oficial, que começava às 8h00, e invocando ainda o facto de este estar em tratamento há vários anos por problemas cardíacos. Assim, argumentou que o enfarte teve origem numa condição de saúde pré-existente, e não no exercício da atividade profissional.
A disputa avançou para os tribunais e, este setembro, a justiça francesa deu razão à entidade empregadora. A decisão judicial concluiu que a investigação realizada pela CPAM não fora “justa e completa” e considerou insuficiente a alegação de que o simples facto de o computador estar ligado comprovava que o trabalhador já se encontrava a desempenhar tarefas laborais. Os juízes destacaram que a administração não consultou relatórios médicos anteriores, nomeadamente do cardiologista, apesar de saber que o trabalhador se submetia regularmente a exames clínicos.
O tribunal sublinhou ainda que não existiam provas de que o trabalhador estivesse a trabalhar antes das 8h00, afastando assim a presunção automática de acidente laboral. A ausência de elementos decisivos levou os magistrados a concluir que a morte podia resultar de uma causa totalmente alheia ao exercício da profissão, contrariando o entendimento inicial da CPAM.
O advogado laboralista Henri Guyot, do escritório Aeriege, explicou ao mesmo meio que “em matéria de acidentes laborais, mesmo no teletrabalho, mantêm-se dois critérios: que o acidente ocorra durante o período laboral e no local de trabalho”. No entanto, observou que “neste caso, foi impossível demonstrar que o trabalhador estava efetivamente a trabalhar, já que o simples ato de iniciar sessão no computador não basta”.
A lei francesa permite que a presunção de acidente de trabalho seja afastada sempre que seja demonstrado que o incidente ocorreu por um motivo “inteiramente alheio à atividade profissional”. Foi precisamente esse o entendimento do tribunal, que criticou a falta de rigor da CPAM ao não verificar as causas médicas da morte, salientando que o registo de horas gerado pelo computador não constitui prova suficiente para estabelecer responsabilidade laboral.













