Acesso dos jovens à habitação “é praticamente uma miragem” nos dias que correm, alertam especialistas

Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, assim como Nuno Rico, da DECO Proteste, apontaram as dificuldades de acesso ao crédito à habitação

Francisco Laranjeira
Julho 27, 2023
0:03

Qual o impacto da evolução de preços na acessibilidade dos jovens à habitação? De acordo com os especialistas da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da DECO Proteste, o cenário é ‘negro’ para a juventude portuguesa.

A questão foi alvo de análise de um relatório, da autoria da Fundação Manuel dos Santos, que procurou responder a um conjunto de tópicos fundamentais e que estão, atualmente, no centro da atualidade do setor imobiliário português.

A conclusão apontou que, desde 2017 – altura em que começaram os aumentos mais expressivos no valor das casas -, as famílias têm tido maiores dificuldades no acesso ao mercado de habitação. Ou seja, precisam de utilizar uma percentagem maior do seu rendimento para comprar ou arrendar casa. Além do aumento dos preços, a instabilidade do emprego e as condições de crédito mais restritivas têm também contribuído para aumentar a dificuldade do acesso à habitação.

Esta evolução deverá ter contribuído para alguma alteração demográfica das famílias que pedem crédito à habitação nos últimos cinco anos, verificando-se uma diminuição de pedidos de crédito por parte de agregados familiares mais jovens, provavelmente com perfil de risco mais elevado e a um aumento do número de agregados familiares em faixas etárias mais velhas e com um perfil de risco mais baixo.

Atualmente, dois indivíduos no ativo para conseguir adquirir um alojamento mediano na freguesia mais barata de Lisboa ou do Porto é necessário que atinjam pelo menos o percentil 60 da distribuição de rendimentos dessa zona geográfica, quando em 2017 era acessível a um agregado no percentil 40 em Lisboa ou 20 no Porto. Além deste requisito, o capital inicial que é necessário dar de “entrada”, mesmo nos casos em que a avaliação bancária coincide com o valor de transação, aumentou para a casa mediana de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022.

E quanto aos jovens?

Teoricamente é possível que um agregado familiar jovem cumpra os requisitos de rendimento para contrair o empréstimo necessário, mas não tenha a poupança necessária para a entrada, e que passados alguns anos possa ter já poupança disponível, mas já não cumpra os requisitos de rendimento, num processo que o mantém mais afastado da possibilidade de aquisição. Além disso, os rendimentos dos jovens são muitas vezes inferiores aos rendimentos do geral da população da zona geográfica que pretendem habitar, o que torna particularmente difícil que atinjam os percentis de rendimentos requeridos.

Se em média a acessibilidade nas áreas metropolitanas reduziu-se, devido ao agravamento das condições nos concelhos limítrofes a Lisboa e Porto, dentro destas cidades registou-se uma estabilização e no caso de Lisboa um processo de convergência de condições de acessibilidade, com as áreas com maior dificuldade de acessibilidade a registar um alívio, enquanto os locais adjacentes viram as mesmas condições degradar-se. Para o agregado familiar de dois sujeitos ativos, o arrendamento em 2022 da casa mediana da freguesia mais barata de Lisboa e do Porto é possível quando ambos estão no percentil 40 e 60 da distribuição de rendimentos, respetivamente.

No cômputo geral, assistiu-se a uma degradação da acessibilidade à habitação. Hoje é significativamente mais difícil entrar no mercado tanto de arrendamento como de aquisição do que era há cinco ou seis anos, mesmo quando se olha para as localizações mais baratas nas áreas metropolitanas ou nas cidades de Lisboa e Porto. Além do agravamento dos requisitos de rendimento, as poupanças necessárias para aquisição duplicaram em muitos casos, exigindo um esforço de vários anos de acumulação de capital, e as próprias avaliações bancárias, mais prudentes, impactam decisivamente nesses valores. Hoje, um jovem (ou casal), para adquirir ou arrendar casa, tem de estar inserido com muito sucesso no mercado de trabalho, e no caso de aquisição, ser capaz de acumular poupanças a um ritmo acelerado, ou obter financiamento particular, muitas vezes proveniente do seu contexto familiar.

As conclusões do relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos levantaram a pergunta: que condições beneficia um jovem que queira comprar uma habitação? Mais bem dito, há algum programa específico de incentivo? De acordo com Nuno Rico, da DECO Proteste, não – trata-se praticamente “uma miragem” atualmente.

“Não existem muitas propostas – “talvez três ou quatro”, referiu – no mercado de crédito específico para os mais jovens e a tendência é haver uma ligeira, muito ligeira, bonificação do spread – talvez 0,1% do spread. Este é um problema em Portugal dos últimos 10 anos, em que praticamente desapareceram as propostas para a juventude”, considerou o especialista, que indicou que os jovens “têm um bocado de mais exigência” no acesso ao crédito à habitação.

“Em termos burocráticos, há uma maior exigência, que tem a ver com a instabilidade profissional e por vezes pela existência de contratos profissionais recentes. O que faz com que seja necessário apresentar um fiador, o que já não acontece com quem tiver 40 anos, por exemplo”, exemplificou. “Arrisco quase a dizer que é praticamente impossível a um jovem aceder a um crédito.”

“Três em cada quatro portugueses com menos de 35 anos tem um rendimento líquido inferior a mil euros. Considerando os preços do imobiliário, a compra de uma casa é uma miragem”, frisou Nuno Rico.

Seria uma alternativa interessante, haver medidas ou apoios específicos para um jovem que pretenda comprar uma casa?

“Seria mais fácil arrendar do que comprar. Mas o mercado de arrendamento em Portugal é o que conhecemos – um mercado diminuto, que dificilmente é uma verdadeira alternativa e em termos de valores de renda é proibitivo. Os bancos deveriam ter propostas de crédito à habitação específicas para os mais jovens, com um custo mais baixo do próprio crédito, e o próprio Estado poderia, através da redução de alguns impostos iniciais, como o IMT ou Imposto de Selo, criar algum incentivo de acesso dos jovens. Portugal é o país da União Europeia em que os jovens saem mais tarde de casa (perto dos 34 anos), o que é demonstrativo da dificuldade sentida”, finalizou.

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