LET THERE BE CHANGE: Se não for agora, será quando?
A Accenture deu início à sua presidência do Women 20 (W20) honrada pela noção de que o fez num ano marcante para a promoção da igualdade de género e da emancipação das mulheres. Este ano marca o quinto aniversário da criação do W20, um grupo oficial de recomendação política do G20, e o 25.º aniversário da Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, o projecto mais progressivo para o avanço dos direitos humanos das mulheres e raparigas a nível mundial. Em Janeiro, os delegados do W20 reuniram-se em Riade pela primeira vez e, ao longo de dois dias, foram definidas as prioridades. Mantivemos as três áreas de enfoque das anteriores presidências do W20: inclusão laboral, inclusão financeira e inclusão digital. Além disso, os delegados do W20 invocaram a importância da tomada de decisões inclusivas – pois sem perspectivas diversificadas, as decisões não seriam abrangentes e não traduziriam o interesse dos membros das suas sociedades. Estamos num momento fundamental da história humana moderna. A pandemia da COVID-19 apresenta uma escolha difícil: ignorar o impacto da crise nas mulheres e permitir que as sociedades se tornem desiguais, mais divididas e mais pobres; ou ajudar as mulheres a emergirem totalmente reconhecidas como parceiros iguais e players económicos importantes, e no processo impulsionar o potencial para uma recuperação socioeconómica mais rápida. O relatório da Accenture explora os perigos de não fazer nada, salientando o impacto desproporcional da pandemia nas mulheres.
O DESAFIO DA COVID-19
Esta pandemia e a subsequente crise económica sublinharam e ampliaram as desigualdades de género existentes. Nesta secção, apresentamos 10 áreas fundamentais tanto para a emancipação feminina como para o desenvolvimento económico, explorando para cada uma delas o impacto que a COVID- 19 tem tido na vida e subsistência das mulheres. Começamos por analisar dois pilares fundamentais do desenvolvimento: saúde e educação. Consideramos então dois elementos cada vez mais importantes da nossa vida contemporânea: o digital e as finanças. Em seguida, exploramos a forma como as mulheres emancipadas obtêm um rendimento, salientando o fardo do trabalho dos cuidados não remunerados; a falta de protecção do rendimento dos trabalhadores informais; e os desafios que as mulheres enfrentam para progredirem e liderarem organizações e para se tornarem empreendedoras. Por fim, analisamos a necessidade e a disponibilidade de dados desagregados por sexo, que permitem aos líderes políticos a tomada de decisões bem informadas e sensíveis às questões de género.
SAÚDE
A saúde e o crescimento económico têm uma relação importante e mutuamente benéfica. As economias mais ricas são capazes de investir mais em cuidados de saúde, assumindo a sua relação direta com o crescimento, tendo em conta que a boa saúde contribui… para o crescimento, por exemplo, ao aumentar a frequência e a produtividade, tanto na sala de aula como no local de trabalho.
Em todo o mundo, as mulheres tendem a viver mais tempo do que os homens. No entanto, esta diferença de género diminui nas regiões onde as mulheres lutam pelo acesso aos serviços de saúde. Pelo contrário, a melhoria do acesso está ligada ao aumento da esperança de vida das mulheres, à diminuição da mortalidade materna e à diminuição da mortalidade infantil. Assegurar a saúde das mulheres pode também aumentar a estabilidade económica e o desempenho como resultado do seu impacto directo no rendimento familiar, no mercado de trabalho e nas condições de trabalho. As mulheres com uma boa noção dos – e acesso aos – serviços de saúde de que necessitam têm menos probabilidades de sofrer de violência doméstica e mais probabilidades de participar na sociedade, procurar a emancipação económica e atingir os próprios objectivos.
- O impacto da covid-19
A actual pandemia criou obstáculos adicionais aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, já de difícil acesso. Os prestadores de serviços de saúde têm estado sobrecarregados e alguns pacientes optaram por adiar consultas médicas regulares com medo de contraírem o vírus. As preocupações em relação à violência baseada no género também têm aumentado. Segundo a Accenture, a proporção de mulheres que citam níveis elevados de stress e tensão nas suas famílias mais do que triplicou, dos 15% pré-pandemia para 50%, segundo o nosso inquérito. O perigo para as mulheres é realçado pelos dados que sugerem que a sua saúde física e mental diminuiu mais rapidamente do que a dos homens nos últimos meses.
EDUCAÇÃO
A educação desempenha um papel fundamental na dinamização do potencial económico e humano. O investimento na educação tem estado ligado ao aumento da produtividade, salários e crescimento económico. E, como um dos ODS, a educação de qualidade tem sido identificada como crucial para permitir a mobilidade ascendente, reduzir a pobreza, diminuir as desigualdades e construir sociedades mais tolerantes e pacíficas.
Os benefícios de investir na educação das mulheres passam do indivíduo para as suas famílias e para a sociedade em geral. Para as próprias mulheres, a educação aumenta os seus possíveis rendimentos, a independência financeira e a capacidade de tomarem decisões que reduzem a sua exposição à violência ao abuso. As mulheres com educação secundária ganham, em média, o dobro das que não têm qualquer percurso escolar – e a probabilidade de casarem ainda em criança ou de terem filhos numa idade precoce também diminui.
- O impacto da covid-19
A UNESCO estima que mais 11,2 milhões de raparigas estão em risco de não regressar à educação após o encerramento das escolas durante a pandemia. A experiência de pandemias anteriores sugere que muitas podem ter assumido responsabilidades adicionais em casa ou começado a trabalhar para apoiar financeiramente as suas famílias. O risco é maior em regiões como a África Subsaariana e a Ásia do Sul e Ocidental, mas também existe em economias com rendimentos mais elevados. Há 1,2 milhões das raparigas em risco na América do Norte e Europa Ocidental. Também se estende a todos os níveis de ensino: 3,6 milhões de jovens mulheres podem não regressar ao ensino superior.
INCLUSÃO DIGITAL
O impacto da tecnologia digital no mundo é tão significativo que é agora referida como a Quarta Revolução Industrial. Para a Accenture, estas tecnologias têm o poder de promover a inclusão, a eficiência e a inovação – mas apenas para as pessoas que as podem utilizar. Impulsionar a inclusão digital – que engloba um acesso à internet adequado e acessível, o hardware e software necessários, e a literacia digital e o apoio – é a chave para reduzir esta divisão digital”.
O aumento dos níveis de inclusão digital poderia actuar como um poderoso catalisador para levar mais mulheres para a força de trabalho e reduzir a diferença de género. Abre a porta a uma série de oportunidades para impulsionar a emancipação económica feminina, incluindo um maior acesso aos mercados, ao conhecimento e a contratos de trabalho flexíveis. Uma mudança para os serviços financeiros digitais poderia também impulsionar a inclusão financeira das mulheres.
- O impacto da covid-19
As medidas introduzidas pelos governos para combater a propagação do vírus tornaram as pessoas totalmente dependentes dos serviços digitais. Ferramentas digitais como as aplicações de rastreio de contactos estão na vanguarda dos esforços de saúde. Os instrumentos de comunicação e colaboração ajudam as pessoas a manterem-se ligadas aos amigos e à família e a trabalharem a partir de casa. Os dispositivos ligados à internet permitem às pessoas encomendar bens e serviços vitais sem saírem de casa, ajudando o mercado global do comércio electrónico a crescer cerca de 33% em 2020, para 1,9 biliões de euros.
INCLUSÃO FINANCEIRA
A capacidade de aceder a produtos financeiros úteis e acessíveis – tais como contas bancárias, crédito e seguros – foi identificada como um factor para atingir sete ODS. Obter uma conta de transacção é um primeiro passo fundamental, abrindo a porta a outros serviços financeiros. Os dados da Accenture demonstram que, embora mais 1,2 mil milhões de adultos tenham tido acesso a essa conta a nível mundial desde 2011, desde 2017 que 1,7 mil milhões de pessoas continuam a não ter contas bancárias.
A inclusão financeira desempenha um papel essencial na emancipação económica das mulheres. A oferta de instrumentos financeiros adequados às mulheres está ligada a uma série de resultados positivos, incluindo redução da pobreza, melhor gestão de riscos, maior controlo sobre os recursos domésticos, capacidade de iniciar ou investir em empresas, e melhor educação e alimentação de crianças.
- O impacto da covid-19
A falta de controlo financeiro de muitas mulheres foi agravada por uma perda de poder de rendimentos durante a pandemia. A nossa análise a rendimentos pessoais declarados pelos próprios inquiridos sugere que a mulher média perdeu 16,5% dos seus rendimentos desde o início da pandemia, em comparação com um declínio de 10,1% para os homens.
MÃO-DE-OBRA INCLUSIVA
O emprego produtivo desempenha um papel fundamental num desenvolvimento económico e social sustentável e inclusivo. Contudo, em todo o mundo, as mulheres têm menos probabilidades de ter um emprego remunerado do que os homens. E mesmo quando o são, tendem a ganhar menos, a trabalhar em cargos menos seguros e a sentir-se menos incluídas.
A redução destas lacunas é essencial para a emancipação económica das mulheres em todo o mundo. As mulheres que conseguem participar na actividade económica têm mais probabilidades de ter acesso a cuidados de saúde de qualidade e de participar em diferentes dimensões da sua sociedade. O nosso inquérito constata que as mulheres com emprego a tempo inteiro tendem a ser mais optimistas do que os seus pares numa série de indicadores sociais e económicos. Por exemplo, antes da COVID-19, 69% das mulheres que trabalham a tempo inteiro consideravam fácil pagar contas e despesas (vs 54% das outras mulheres), e 76% consideravam fácil o acesso aos cuidados de saúde (vs 65% das outras mulheres).
- O impacto da covid-19
A crise da COVID-19 exacerbou as desigualdades de género existentes na mão-de-obra, deixando as mulheres mais vulneráveis ao impacto económico da pandemia. A elevada proporção de empregos ocupados por mulheres em sectores mais atingidos pela pandemia, tais como a hospitalidade e o comércio a retalho, significa que os empregos das mulheres estão 19% mais em risco do que os dos homens. E, no geral, quase metade (49%) das mulheres empregadas estão a trabalhar em sectores com um risco médio ou elevado de perdas de rendimento e emprego durante a pandemia. Isto em comparação com 40% dos homens.
SEM REMUNERAÇÃO
Por todo o mundo, as mulheres realizam a maioria do trabalho não remunerado, como o cuidado de crianças, idosos e outros dependentes, doentes ou pessoas com deficiência no agregado familiar. Inclui também actividades mais amplas de gestão doméstica, tais como a limpeza, a preparação de refeições e a lavagem de roupa. No seu conjunto, estas actividades não remuneradas, por vezes escondidas, pesam na capacidade das mulheres de encontrarem e prosperarem num emprego remunerado.
Em nenhum país os homens fornecem uma parte igual do trabalho de cuidados; de facto, globalmente, as mulheres conseguem contribuir duas a 10 vezes mais. A OIT estima que as mulheres representam 76,2% do total de horas em trabalho não remunerado a cuidar de alguém.
- O impacto da covid-19
As medidas de confinamento introduzidas por governos de todo o mundo, incluindo pedir àqueles que o poderiam fazer que trabalhassem a partir de casa, aumentaram o peso dos cuidados e das responsabilidades domésticas das mulheres. O nosso inquérito revela que as mães estão a gastar mais 1,3 horas por dia a tomar conta de crianças – um aumento de 29% em relação aos níveis pré-pandémicos – uma vez que o encerramento de escolas e infantários e as restrições de deslocamentos limitam as suas opções.
PROTEGER RENDIMENTOS
Ao contrário dos trabalhadores que estão formalmente empregados, os trabalhadores da economia informal têm pouca, ou nenhuma, protecção de rendimentos. Não têm acesso aos benefícios da segurança social que garantem a segurança de rendimentos, principalmente em caso de desemprego, doença, acidente de trabalho, maternidade, perda de uma fonte de rendimento, ou velhice. Isto torna-os particularmente vulneráveis a situações em que não podem trabalhar, uma vez que não têm qualquer substituição de rendimentos. Pesquisas da OIT confirmam que os pobres enfrentam taxas mais elevadas de emprego informal.
Embora os homens estejam globalmente mais expostos ao trabalho informal do que as mulheres, é mais provável que as mulheres estejam a trabalhar sem protecção de rendimentos. Estão sobre- -representadas entre os trabalhadores familiares, os trabalhadores domiciliários que fazem trabalho à hora nos níveis inferiores das cadeias de abastecimento, e os trabalhadores domésticos. Em contraste, estão subrepresentadas entre os empregadores na economia informal; em todo o G20, os homens têm mais do dobro da probabilidade do que as mulheres de empregar outros.
- O impacto da covid-19
A recessão global atingiu mais duramente os sectores onde existe um número desproporcionado de mulheres no emprego informal. Em todo o G20, 53,5% das mulheres no emprego informal encontram-se em sectores de alto risco que sofreram uma queda drástica na produção económica devido a bloqueios relacionados com a pandemia e medidas de distanciamento social, incluindo alojamento e serviços alimentares, bens imobiliários, actividades comerciais e administrativas, produção e comércio grossista/retalhista. Isto em comparação com 43% dos homens em empregos informais. Como resultado, a pobreza relativa dos trabalhadores informais e suas famílias poderia aumentar 34 pontos percentuais globalmente e 36 pontos percentuais nos países do G20, devido à sua perda de rendimento durante a crise.
PROGREDIR E LIDERAR
A tomada de decisão inclusiva e diversificada tem benefícios comprovados. Incluem a prevenção dos preconceitos de pensamento de grupo – o que pode levar a que os grupos procurem excessivamente o consenso, aumentando assim as probabilidades de serem tomadas más decisões – e um aumento da amplitude e profundidade das informações de um grupo para tomar decisões. Estudos demonstraram que diversos grupos têm um melhor desempenho e tomam decisões mais precisas.
O aumento da participação das mulheres tem estado especificamente ligado a uma série de resultados positivos. Na Noruega, por exemplo, os investigadores observaram uma relação causal directa entre a presença de mulheres nos conselhos municipais e a prestação de cuidados às crianças. A investigação sobre “panchayats”– conselhos locais na Índia – revelou que o número de projectos de água potável em áreas com conselhos dirigidos por mulheres era 62% mais elevado do que naqueles com conselhos dirigidos por homens.
- O impacto da covid-19
Uma análise às principais equipas de resposta e grupos de trabalho da COVID-19 salienta que persiste um claro desequilíbrio de género. Por exemplo, o painel consultivo da Comissão Europeia sobre COVID-19 tem um rácio de género de 4:10. Nos EUA, o rácio da Task Force Coronavirus é inferior a 1:10. Na China, a missão conjunta OMS-China sobre a doença do coronavírus tem uma proporção de 2:10. No G20, a relação de género dos ministros da saúde é inferior a 1:10. Uma carta aberta de 34 mulheres cientistas da Europa e América do Norte descreve a resposta científica à pandemia como «caracterizada por um nível extraordinário de sexismo», na qual «as vozes de homens pouco qualificados estão a ser mais consideradas do que as vozes de mulheres especializadas».
EMPREENDEDORISMO
Os empresários contribuem para o crescimento económico de inúmeras formas, desde a oferta de oportunidades de emprego até à introdução de novos produtos e serviços no mercado. Milhões de mulheres em todo o mundo gerem os seus próprios negócios, mas as taxas de actividade empresarial continuam a ser inferiores às dos homens. Isto oferece um enorme potencial inexplorado para aumentar a emancipação das mulheres, criar empregos, aumentar os rendimentos, reduzir a pobreza e impulsionar os resultados da saúde e educação das crianças.
As mulheres enfrentam obstáculos mais acentuados do que os homens para garantir empregos no sector privado e uma gama mais vasta de exigências no seu horário, incluindo uma parte desproporcional de actividades de gestão doméstica, como a guarda de crianças. Consequentemente, as mulheres têm 25% mais probabilidades do que os homens de serem atraídas para a actividade empresarial através da necessidade, por oposição à oportunidade. Isto sublinha a significativa importância que o empreendedorismo oferece, tanto para a emancipação económica das mulheres como para o crescimento económico em geral.
- O impacto da covid-19
As medidas de distanciamento social e de contenção tiveram um impacto enorme na forma como compramos bens e serviços. Um exemplo fundamental é a mudança de comprar “pessoalmente” para online, uma tendência que «prepara o mercado do comércio electrónico para novos players, especialmente PME». Dito isto, a pandemia também expôs os riscos de passar para o trabalho por conta própria. Um estudo do Facebook revelou recentemente que as empresas lideradas por mulheres tinham mais sete pontos percentuais de probabilidade de fecharem em comparação com as lideradas por homens.
DADOS POR SEXO
A desagregação dos dados permite a investigadores e líderes políticos descobrirem padrões que podem estar ocultos a nível agregado. Por exemplo, as normas culturais e sociais, bem como a legislação, diferem por género de país para país. Isto leva a diferenças de género na «saúde, educação, trabalho, vida familiar ou bem-estar geral».
Em 1996, a Plataforma de Acção de Pequim recomendou que as estatísticas fossem «recolhidas, compiladas, analisadas e apresentadas por sexo… e reflectissem problemas, temas e questões relacionadas com as mulheres e os homens na sociedade». Isto foi reafirmado este ano na declaração política por ocasião do 25.º aniversário da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher.
- O impacto da covid-19
Quando uma crise como uma pandemia surge, dados pormenorizados que mostram o impacto por género, entre geografias e sectores, como aqueles que a Accenture apresenta, podem ajudar os líderes políticos a conceber intervenções mais adequadas de mitigação e recuperação conscientes do género. A experiência de anteriores crises de saúde comparáveis, tais como os surtos de Ébola e Zika, mostra que a falta de dados desagregados por sexo levou a resultados subavaliados para as mulheres, tanto a curto prazo, em termos de intervenções médicas, como a longo prazo, em termos de igualdade.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 180 de Março de 2021