O verão trouxe o cenário que muitos previam, mas ninguém impediu: uma grave carência de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), agora exponenciada pela abertura do novo Hospital de Sintra, uma extensão do Hospital Fernando Fonseca (HFF), também conhecido como Amadora-Sintra. Projetado para servir 250 mil pessoas, o HFF atende hoje mais do dobro — cerca de 560 mil utentes — e vê-se agora a dividir escassos recursos entre duas unidades hospitalares numa das regiões mais pressionadas do país, a Grande Lisboa. A revelação é feita pelo jornal Expresso, que consultou dados preocupantes sobre o funcionamento das unidades em causa.
Neste momento, faltam no hospital central 56 médicos e 229 enfermeiros, apenas para os cuidados hospitalares. No Hospital de Sintra, a situação é ainda mais precária: são necessários 500 profissionais para garantir o funcionamento pleno da unidade, mas só 211 estão contratados. Desses, apenas 49 enfermeiros e 10 médicos estão efetivamente ao serviço. Segundo a administração, esse número deverá crescer “de forma faseada com o aumento da atividade a partir de setembro”. Enquanto isso, as escalas continuam a ser preenchidas com pessoal deslocado do HFF, agravando o défice já existente naquela unidade.
Esta redistribuição de meios humanos tem sido particularmente evidente na medicina interna — um dos pilares dos serviços de urgência — deixando o hospital-mãe mais vulnerável. A pressão é constante: a população servida aumentou exponencialmente, com mais de 30 mil utentes não inscritos e 31% da população sem médico de família. Para colmatar falhas, 280 médicos tarefeiros têm sido chamados a reforçar os turnos. Contudo, agosto é particularmente crítico: mesmo os prestadores de serviços limitam a sua disponibilidade ou optam por hospitais que oferecem remunerações mais elevadas nesta altura do ano.
Na última semana, 19 médicos da urgência do HFF fizeram soar o alarme, entregando uma carta aberta à administração onde alertam para uma “rutura iminente” e ameaçam abandonar o serviço se não houver mudanças. A Ordem dos Médicos teve de intervir para evitar uma debandada imediata. A administração do hospital reconhece as dificuldades e refere que “o planeamento de férias e escalas foi reforçado com prestadores de serviços e ajustamentos organizativos internos”, acrescentando que os problemas decorrem “sobretudo do aumento populacional e da carência nacional de médicos em várias especialidades”.
A abertura da Urgência Básica em Sintra, longe de aliviar a pressão no Amadora-Sintra, terá criado um novo problema. “É inadmissível retirar recursos ao Amadora-Sintra. A administração partiu de um pressuposto que não se verificou: quem ia à urgência da Amadora continuou a ir”, afirma Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Segundo o especialista, a nova unidade atraiu pessoas que antes não recorriam a nenhum hospital, “criando uma nova porta para uma necessidade não satisfeita”. Barreto considera que houve “bondade excessiva” na forma como a administração geriu a abertura da nova unidade.
O panorama não se restringe ao Amadora-Sintra. Vários hospitais da região de Lisboa enfrentam dificuldades em preencher escalas para o mês de agosto, especialmente nas especialidades de ortopedia, medicina interna e cirurgia geral. Barreto considera a situação “muito crítica”, apontando para a recente demissão do chefe de ortopedia do Hospital Dona Estefânia como mais um sintoma do colapso do sistema. “Ao contrário do que diz o primeiro-ministro, não interessa se estamos melhor ou pior do que no ano passado. O que interessa é que estamos mal”, resume.
A Direção Executiva do SNS reconhece as fragilidades. Em resposta ao Expresso, admite que há uma “escassez estrutural de recursos humanos” e que tem articulado soluções com as unidades locais de saúde “para reorganizar a oferta de forma a garantir que nenhuma região fique desprovida de cuidados urgentes”. Um exemplo disso é a articulação entre o HFF e o Hospital São Francisco Xavier. No Algarve, os profissionais optaram por outra forma de protesto: todos os trabalhadores do SNS na região farão uma greve de 24 horas no dia 7 de agosto, exigindo mais recursos.














