A nossa identidade está no ADN? Fusão de duas irmãs numa única mulher sugere que não é bem assim

Resultado da fusão de dois óvulos fecundados por dois espermatozoides no útero, Karen possuía duas sequências de ADN distintas, duas composições genéticas.

Pedro Gonçalves
Maio 12, 2024
12:30

A incrível história de Karen Keegan, uma mulher de Boston, desafia as noções convencionais sobre identidade humana. Resultado da fusão de dois óvulos fecundados por dois espermatozoides no útero, Karen possuía duas sequências de ADN distintas, duas composições genéticas. Este caso, descoberto quando os médicos realizaram testes genéticos em busca de um doador de rim compatível após um grave problema renal aos 52 anos, levanta questões profundas sobre a relação entre o ADN e a identidade de uma pessoa. O biólogo e autor de “The Master Builder” Alfonso Martínez Arias afirma que este caso é uma prova clara de que o ADN não define por si só a identidade de alguém.

Esta perspetiva desafia a conceção tradicional do ADN como um “gen-egoísta”, proposta por Richard Dawkins em sua obra influente de 1976. Dawkins defendia que o ADN utiliza o ser humano como um veículo para a sua própria sobrevivência e replicação. No entanto, Martínez Arias propõe, em entrevista ao El País uma visão mais romântica, na qual as células desempenham um papel mais ativo na construção e funcionamento do organismo. Para ele, o ADN é apenas uma caixa de ferramentas e materiais, enquanto as células são as verdadeiras arquitetas da vida.

Após décadas de pesquisa na Universidade de Cambridge, Martínez Arias mudou-se para a Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, onde continua a explorar como uma célula solitária pode multiplicar-se e transformar-se num organismo completo. O especialista destaca que, apesar das semelhanças nos genomas de diferentes espécies, é a forma como as células interpretam e utilizam essa informação que determina a complexidade e diversidade dos seres vivos.

Outro exemplo intrigante é o da primeira gata clonada, Copy Cat, cujo ADN era idêntico ao de uma gata de três cores, mas apresentava um padrão de pelagem diferente. Isso demonstra que, mesmo com o mesmo ADN, as células podem interpretar e expressar genes de maneira diferente, resultando em características distintas.

Martínez Arias também explora o processo de gastrulação, no qual um conjunto de células embrionárias começa a formar as camadas básicas de tecidos que darão origem aos órgãos e estruturas corporais. O processo é descrito como uma “dança celular meticulosamente coreografada”, onde as células comunicam entre si para ocupar seus lugares específicos e determinar o destino do embrião.

Através de avanços como a criação de gastruloides em laboratório, Martínez Arias e a sua equipa demonstram que as células têm uma incrível capacidade de auto-organização e tomada de decisão. Este novo entendimento está a redefinir a nossa compreensão da vida, colocando as células no centro da narrativa e prometendo uma nova era de descobertas promissoras no campo da biologia celular.

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