Gustavo Mendes, Docente da Porto Business School
No território corporativo, é ainda comum encontrar uma compreensão excessivamente restrita do conceito de Marca — frequentemente associada apenas à identidade visual (como o logótipo) ou a iniciativas de comunicação, nomeadamente publicações nas redes sociais. Esta leitura limitada reduz o branding a uma função meramente táctica e operacional, negligenciando o seu real potencial enquanto instrumento de gestão estratégica e criação de valor a longo prazo.
Importa, por isso, ampliar essa visão. Hoje, mais do que nunca, torna-se essencial pensar a Marca não apenas como expressão estética ou comunicacional, mas como um sistema de alinhamento organizacional: um eixo integrador que cruza cultura, estratégia e experiência — tanto do cliente como do colaborador. Uma marca sólida não se resume ao que a organização diz sobre si própria, mas ao que os seus públicos reconhecem, interpretam e partilham.
Neste enquadramento, a Marca estrutura a forma como a organização se posiciona, se distingue no mercado e, acima de tudo, como entrega valor de forma coerente e sustentada ao longo do tempo. Longe de ser um activo meramente intangível, a Marca deve ser entendida como uma infraestrutura de gestão — um elo entre intenção estratégica e execução operacional, que assegura consistência e direcção em contextos de incerteza.
A Marca é, na sua essência, o interface entre a organização e o mundo. É através dela que clientes, colaboradores, parceiros e outros stakeholders interpretam e interagem com a proposta de valor da empresa. Cada um dos pontos de contacto que compõem esta interface contribui para reforçar (ou fragilizar) a relação. Estes “momentos de verdade” — em que o valor da Marca é confirmado ou desmentido — são os alicerces da sua reputação. Neste contexto, a Marca torna-se, simultaneamente, espelho e motor da experiência organizacional.
Num cenário empresarial marcado por transformação digital, aceleração tecnológica e crescente pressão regulatória e reputacional — em torno da agenda ESG, por exemplo — a Marca deixou de poder ser tratada como um elemento periférico ou decorativo. Ela é hoje um indicador relevante de saúde organizacional, com impacto directo na valorização dos activos, na atractividade de talento e na resiliência em contextos de crise.
Não se exige, naturalmente, da gestão de topo, um domínio técnico da disciplina do branding — mas sim uma compreensão clara do seu papel enquanto alavanca estratégica. Ignorar a Marca, neste enquadramento, equivale a abdicar de uma ferramenta crítica de diferenciação, alinhamento interno e geração de valor sustentado. A Marca não deve ser delegada em exclusivo a um só departamento; deve ser assumida como prioridade transversal, inscrita no pensamento estratégico e refletida na arquitectura da liderança.
Perante esta perspectiva ampliada, impõe-se uma pergunta essencial: que papel ocupa a Marca nas decisões-chave da organização? Não apenas enquanto assinatura visual ou campanha institucional, mas enquanto estrutura viva, que orienta escolhas, comportamentos e prioridades em todos os níveis da empresa. Uma Marca robusta não é um fim em si — é uma forma de pensar o negócio, de modelar cultura e de estruturar a entrega de valor.
Assumir a Marca como activo estratégico implica também incorporá-la nos mecanismos de avaliação de desempenho. A sua força — entendida enquanto percepção sustentada de valor, coerência e confiança — deve ser medida, gerida e traduzida em informação útil para decisões críticas.
Não basta intuir a sua importância: é necessário dotar as organizações de métricas, sistemas e processos que permitam monitorizar a evolução da Marca, ao mesmo nível de exigência com que se avaliam indicadores financeiros ou operacionais.
Este não é um exercício teórico. Organizações que integram a Marca na sua arquitectura de gestão evidenciam, de forma consistente, maior solidez relacional, capacidade de atracção (de talento e de clientes), e resiliência em contextos adversos. A Marca torna-se, nestes casos, um activo de performance — visível nos resultados, tangível nas relações e duradouro na reputação.
Num contexto competitivo onde a coerência é escassa, a Marca será, cada vez mais, aquilo que distingue organizações reactivas de organizações verdadeiramente estratégicas.














