Por Fernando Neves de Almeida, Chairman & Partner da Boyden Portugal
De um momento para o outro, processos que antes exigiam equipas inteiras, semanas de análise ou anos de experiência são replicados em segundos por algoritmos cada vez mais sofisticados. Estratégia, marketing, operações, finanças, nenhuma função escapa à onda desaceleração e disrupção causada pela IA.
Mas será que esta revolução tecnológica vai redefinir o que significa ser um líder de topo?
A resposta é: sim e não. Sim, porque o contexto muda radicalmente. As organizações vão operar com estruturas mais ágeis, decisões mais baseadas em dados e modelos de negócio mais dinâmicos. O que antes era planeado em ciclos de múltiplos anos, agora é revisto trimestralmente. Os líderes terão de navegar num ecossistema acelerado e complexo.
Não porque, apesar de todo o impacto da tecnologia no negócio, há três competências humanas que continuam a distinguir quem chega ao topo e lá permanece. Três superpoderes que a IA ainda não consegue replicar.
1. INTUIÇÃO ESTRATÉGICA:
VER O QUE OS OUTROS NÃO VÊEM
A IA pode identificar padrões. Pode prever comportamentos. Pode recomendar caminhos. Mas só o ser humano tem a capacidade de intuir o que ainda não está nos dados, de ligar pontos aparentemente desconexos, de antecipar movimentos do mercado que ainda não chegaram aos powerpoints. Esta intuição estratégica não é um dom sobrenatural. É uma competência que se desenvolve com experiência, exposição a múltiplos contextos e muita curiosidade. Os líderes que se destacam não são apenas bons analistas, são também visionários. Intuem alterações no mercado antes de serem sentidas. Sentem o fim de tendências antes de os relatórios as confirmarem. E ousam agir antes de se formar consenso. Num mundo onde todos têm acesso aos mesmos dados, o diferencial não está na informação, mas sim na interpretação. E nisso, a intuição humana continua imbatível.
2. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL:
LIDERAR COM HUMANISMO
A ironia da era digital é esta: quanto mais automatizamos processos, mais valorizamos aquilo que não pode ser automatizado. A empatia. A escuta ativa. A capacidade de criar confiança num board dividido ou de unir uma equipa após uma reestruturação difícil.
A Inteligência Emocional, que é a capacidade de perceber, gerir e influenciar emoções, será cada vez mais o que unirá as organizações. Os melhores líderes não são apenas estrategas brilhantes, são também maestros das relações humanas. Sabem quando pressionar e quando apoiar. Sabem quando falar e, mais importante, quando ouvir.
Tenho observado que os líderes que sobem mais alto, e que se mantêm no topo, são aqueles que dominam este equilíbrio entre performance e proximidade, entre exigência e empatia. A IA pode tomar decisões, sim, mas só os humanos conseguem encontrar o equilíbrio entre os dados e as pessoas.
3. COMPETÊNCIA POLÍTICA:
NAVEGAR O PODER COM ELEGÂNCIA
Fala-se pouco disto, mas a política organizacional não desapareceu com a tecnologia. Pelo contrário: em ambientes mais ágeis, menos hierárquicos e mais voláteis, a capacidade de construir alianças, negociar interesses e influenciar stakeholders tornou-se ainda mais crítica.
Competência Política, ou “Political skills”, não é sinónimo de manipulação. Esta competência simboliza a arte de ler o contexto, compreender agendas ocultas, escolher os aliados e agir com o timing certo. O domínio desta competência pode ser a diferença entre uma ideia genial que morre na gaveta e uma visão transformadora que mobiliza uma organização.
Num mundo onde os organigramas formais valem cada vez menos, os líderes mais eficazes são aqueles que sabem operar nos bastidores, construir consensos e, quando necessário, desafiar o status quo sem se isolarem.
O futuro é híbrido, mas profundamente humano:
A tentação de deslumbramento com a IA é real. Mas é um erro pensar que a tecnologia substitui a liderança de uma organização. A IA será, sem dúvida, um acelerador brutal. Mas não inspira pessoas.
As empresas do futuro precisarão de líderes capazes de usar a IA para estenderem a sua capacidade, não para a substituir. Precisarão de profissionais que, munidos de dados, continuem a confiar na sua intuição. Que, em tempos de disrupção, mantenham a empatia. Que, em estruturas fluidas, saibam mover-se com influência silenciosa e impacto real.
Acredito que a tecnologia redefine contextos, mas que é o carácter que continua a definir carreiras. E os líderes que dominarão o futuro não serão necessariamente os mais técnicos, mas sim os mais humanos.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 232 de Julho de 2025














