Por Luis Rasquilha, CEO do Ecossistema Inova. Board Member/Non Executive Diretor (NED) da Mercur, da NTT Data Brasil e da Maza Tarraf. Advisor na AMARNA VIDA (Irlanda). Conselheiro da Diáspora Portuguesa. Professor convidado na FIA, FDC, Hospital Albert Einstein e ESALQ/USP. Colunista do MIT Sloan Review Brasil e Executive Digest Portugal.
Nos últimos anos é possível perceber crescente diálogos sobre Economia Circular. Com cada vez mais claro o entendimento sobre a finitude de recurso, o conceito, vem ganhando palco, em governos, academia e indústrias. Contudo, apesar da escalada das discussões, ainda se nota a falta de entendimento pleno e são poucos que já conseguem se antecipar e considerá-la como parte fundamental de uma estratégia de médio prazo.
Nos próximos anos, as empresas que não adotarem um modelo de economia circular como estratégia central em suas cadeias de suprimentos enfrentarão desafios significativos. Em contrapartida, aquelas que implementarem essa abordagem terão um diferencial estratégico crucial.
Este artigo foi escrito em co-autoria com o Marcelo Souza Ceo das Indústrias Fox especialista no tema da sustentabilidade e cadeias de valor sustentáveis.
A economia circular é um modelo econômico que busca minimizar o desperdício e maximizar o uso dos recursos disponíveis. Diferente do modelo linear tradicional de “extrair, produzir e descartar”, a economia circular propõe um ciclo contínuo de reutilização, reciclagem e regeneração de materiais. De forma resumida, segundo a Fundação Ellen MacArthur, a economia circular fundamenta-se em três princípios: eliminar o desperdício e a poluição desde o início, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais. Segundo Edson Grandisoli, pesquisador do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), “ao utilizar menos recursos, você também reduz a necessidade de transportar esses materiais, o que diminui a pegada de carbono da produção”
O modelo econômico circular, possui suas estratégias dispostas em um diagrama, popularmente conhecido com o Diagrama Borboleta, isso devido seu formato lembrar o inseto. Desenvolvido pela Fundação Ellen MacArthur, é uma representação visual que ilustra as estratégias dispostas em dois ciclos (asas da borboleta) principais da economia circular: o ciclo biológico e o ciclo técnico. O ciclo biológico envolve materiais biodegradáveis que podem ser devolvidos à natureza, como madeira e algodão. Já o ciclo técnico envolve materiais não biodegradáveis, como metais e plásticos, que são mantidos em circulação por meio de processos como reuso, reparo, remanufatura e reciclagem
No ciclo técnico, os produtos e materiais são projetados para serem reutilizados e reciclados, prolongando sua vida útil e reduzindo a necessidade de novos recursos. Isso inclui práticas como o reuso, que é a utilização de produtos em sua forma original; o reparo, que consiste no conserto de produtos para prolongar sua vida útil; a remanufactura, que é a restauração de produtos para que voltem ao seu padrão de eficiência; e a reciclagem, que transforma materiais em novos produtos. Como explica a Ellen MacArthur Foundation, “a economia circular é sustentada pela transição para energias e materiais renováveis e dissocia a atividade econômica do consumo de recursos finitos”
Nos próximos anos, a escassez de materiais será um desafio crescente devido ao aumento da demanda e à diminuição dos recursos naturais. Já presenciamos os danos na ruptura da cadeia de suprimentos, durante a pandemia de COVID-19. A a interrupção na cadeia de suprimentos pode causar escassez de insumos e consecutivamente o aumento de preços. A adoção de práticas de economia circular pode mitigar esses riscos, promovendo a reutilização e reciclagem de materiais, assim, se tornando um grande diferencial estratégico. E além de ser estratégico para perenidade de uma cadeia de suprimentos em um cenário de tendência de escassez de matérias primar um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) afirma que um modelo de economia circular poderia reduzir os resíduos industriais em alguns setores em 80-99%, e as emissões em 79-99%.
Várias empresas de relevância global, já entenderam esse diferencial e o potencial estratégico e estão investindo em modelos de cadeia de suprimento circular. Por exemplo A Lego, está intensificando seus esforços para substituir os combustíveis fósseis usados na fabricação de seus blocos coloridos por plásticos renováveis e reciclados até 2032. A Samsung lançou inovações eco conscientes, incluindo smartphones e monitores que incorporam materiais reciclados de redes de pesca descartadas e plásticos destinados ao oceano. A Electrolux substituiu 8.600 toneladas de plástico virgem por reciclado em 2021 e planeja usar globalmente, no mínimo, 50% desse tipo de resina em suas linhas de eletrodomésticos até 2030. A empresa também desenvolveu um protótipo de aspirador de pó 90% reciclável, promovendo a circularidade dos recursos. Desde 1998, a BASF desenvolveu formulação para incorporar PET reciclado em seus produtos. Após resolver problemas operacionais, o processo foi implementado em escala industrial em 2002. Atualmente, cerca de 6 garrafas PET de 2 litros são usadas para cada galão de verniz/esmalte. A empresa economiza cerca de R$ 3 milhões/ano e aumentou a produtividade em 13%. Além desses dados, socialmente, o projeto criou cerca de 550 empregos na cadeia de reciclagem de PET.
Essas empresas não apenas reduzem seu impacto ambiental, mas também melhoram sua eficiência operacional, criam uma resiliência na cadeia de suprimento e fortalecem sua reputação no mercado. Como afirmou Michael Porter, professor da Harvard Business School, “a vantagem competitiva não vem apenas de fazer as coisas melhor, mas de fazer as coisas de maneira diferente”. Implementar a economia circular é uma maneira de fazer as coisas de maneira diferente, criando valor sustentável e duradouro.
Agora, quais os primeiros passos, para começar a se estruturar uma estratégia de cadeia de suprimentos circular?
Sem dúvidas, não estamos falando de um processo que acontece de uma hora para outra, mesmo porque estamos falando de anos de cultura de uma economia linear, logo estamos falando de uma jornada, contudo a seguir veremos o que considero os primeiros passos para essa transformação.
1° – Ter pessoas no board, com conhecimento em Economia Circular. É possível dizer que projetos estratégicos de circularidade, são um bom exemplo de ambidestra empresarial, pois devemos olhar o presente, (linear) sem perder o foco no futuro (circular). Para isso ter pessoas C-level, e no conselho, que consigam direcionar a organização para um furo que certamente será circular, sem dúvida é imprescindível.
2° – Entrando um pouco mais nos detalhes, operacionais, um diagnóstico de circularidade da organização, utilizando ferramentas de circularidade como por exemplo a estratégia dos 10 R-s é fundamental, vamos dizer que para marcar o ponto zero e começar a criar entregáveis.
A seguir, temos uma figura, que além de apresentar os 10 R-s, indica uma ordem de prioridade.

Na figura, vemos que a maior priorização está em recusar seguida de repensar e as menores priorizações estão em reciclar e em seguida recuperar, isso pois parte-se de um princípio de que se tenha plenamente implementado os primeiros R-s, ou seja uma economia circular, mas madura, assim, pouco se precisará reciclar ou recuperar. Aqui, novamente vemos uma aplicação da ambidestra empresarial, o hoje, estamos mais reciclando e recuperando, pois na conceção, não foi recusado e/ou pensado, assim podemos e devemos recusar e repensar nossos produtos e serviços com olhar de futuro (circular)
3° – Enquanto estamos recusando e repensando nossos produtos e serviços, devemos fomentar a utilização de matérias primas recicladas, para isso novamente nos deparamos com a necessidade de capacitação, agora dos níveis mais táticos, pois o mercado de matérias primas recicladas se comportam diferentemente do mercado de materiais virgens, muitas vezes vejo empresas tentado implementar uma cadeia circular de suprimentos, mas tentam agir com base em uma cadeia linear, gerando como efeito, ineficiência, tanto em custo, quanto em qualidade.
Nessa altura, você já pode imaginar que o tema é mais amplo do que se pode imaginar, logo, poderíamos continuar elencando passos a serem trilhados, contundo isso ficará para um outro artigo.
Em resumo, a economia circular não se trata de uma moda passageira, mas uma tendência e necessidade estratégica para as empresas que desejam se manter competitivas e resilientes no futuro. A implementação dessa abordagem pode resultar em uma cadeia de suprimentos mais eficiente, sustentável e preparada para enfrentar os desafios de um mundo em constante mudança.



