A estratégia do “homem louco”: O dilema de Taiwan entre Trump, tarifas, armas e pressões políticas

A instabilidade política e estratégica que caracteriza o trumpismo estende-se agora à delicada relação entre os Estados Unidos, Taiwan e China, lançando dúvidas sobre a fidelidade da aliança americana com a ilha asiática e alterando significativamente o panorama geopolítico no Pacífico.

Pedro Gonçalves
Agosto 11, 2025
12:51

A instabilidade política e estratégica que caracteriza o trumpismo estende-se agora à delicada relação entre os Estados Unidos, Taiwan e China, lançando dúvidas sobre a fidelidade da aliança americana com a ilha asiática e alterando significativamente o panorama geopolítico no Pacífico. A decisão do presidente Donald Trump de redefinir as prioridades da diplomacia norte-americana, centrando-se numa balança comercial e não num compromisso estratégico tradicional, coloca Taiwan numa posição vulnerável face à pressão crescente de Pequim.

cancelamento de visita de presidente taiwanês a estados unidos
No final de julho, diversos meios de comunicação dos Estados Unidos divulgaram que o presidente de Taiwan, Lai Ching-te (conhecido internacionalmente como William Lai), teria cancelado uma viagem que incluía paragens previstas em Nova Iorque e Dallas. Esta tournée destinava-se a fortalecer laços com os poucos aliados latino-americanos de Taiwan, nomeadamente Belize, Guatemala e Paraguai. Fontes anónimas, alegadamente próximas das conversações entre os governos norte-americano e taiwanês, indicaram que a administração Trump, focada nas negociações delicadas com Pequim sobre comércio e numa possível cimeira, teria solicitado o cancelamento da escala nos EUA. O New York Times divulgou a notícia a 30 de julho: “O presidente Lai cancelou toda a sua viagem”.

O governo de Taiwan respondeu oficialmente, emitindo um comunicado onde rejeita a informação como imprecisa e nega que o presidente Lai tivesse agendado tal tournée, confirmando apenas uma próxima visita a Paraguai.

Segundo o analista taiwanês Michel Lin, citado no Taipei Times, “a decisão de Lai de suspender os seus planos de viagem, que poderiam incluir paragens nos Estados Unidos, reduz o risco de Taiwan se tornar moeda de troca nas negociações comerciais entre Washington e Pequim”. Taiwan encontra-se numa situação delicada: não pode expor desacordos com Washington nem desafiar as mudanças de humor de Trump, pois a sua futura independência depende fortemente do apoio dos Estados Unidos. Porém, a credibilidade deste aliado está agora posta em causa, fragilizando a confiança de Taiwan na proteção que antes considerava garantida.

A estratégia do “homem louco” de trump e o desafio à credibilidade
Durante a campanha presidencial de 2024, Donald Trump confessou numa entrevista ao Wall Street Journal que Xi Jinping o respeita e que, devido a uma “loucura” calculada, a China evita tomar ações agressivas contra Taiwan. Trump declarou: “Xi Jinping sabe que estou completamente louco”, advertindo que, caso Pequim atacasse Taiwan, aplicaria tarifas alfandegárias entre 150% e 200%. Esta postura espelha a velha táctica americana conhecida como “teoria do homem louco”, usada pelo presidente Richard Nixon para intimidar adversários durante a Guerra do Vietname.

Contudo, a credibilidade dessa “loucura” é agora questionada. Para Taiwan, o problema não é se Xi Jinping acredita ou não que Trump é um “louco”, mas sim se o presidente taiwanês William Lai ainda confia nessa imprevisibilidade estratégica americana. Atualmente, e segundo observadores, os Estados Unidos parecem mais previsíveis para Pequim do que para Taipei.

Apesar da retórica agressiva, a administração Trump já impôs tarifas à China que chegam aos 200%, sem que tenha havido qualquer ataque de Pequim a Taiwan. Estes aumentos e reduções tarifárias fazem parte de negociações em curso, aparentemente com um acordo próximo em Estocolmo.

Trump vê Taiwan menos como um aliado estratégico e mais como um concorrente comercial. Em conversa no podcast de Joe Rogan, chegou a afirmar que Taiwan “roubou o nosso negócio dos chips” e agora “quer protecção”. Na mesma linha, defende que Taiwan deve aumentar significativamente o seu orçamento militar, sugerindo que a ilha deve gastar 10% do seu PIB em defesa e que grande parte do armamento deve ser comprado à indústria militar americana, numa estratégia que visa fortalecer a dependência comercial e militar de Taiwan relativamente aos EUA.

Thomas J. Shattuck, num artigo do Foreign Policy Research Institute, alerta que “dado que os elementos mais favoráveis a Taiwan na administração Trump alinharam-se com a cifra de 10%, os líderes de Taipei devem preocupar-se com o papel dos Estados Unidos num cenário de crise”. Shattuck recorda que Trump até sugeriu que Taiwan deveria pagar diretamente aos EUA pela sua defesa, argumentando que “não somos diferentes de uma companhia de seguros”.

O clima político interno em Taiwan está cada vez mais polarizado e dividido entre independentistas e defensores do status quo e de uma aproximação a Pequim. O partido do presidente Lai, o Partido Progressista Democrático (PPD), sofreu uma derrota eleitoral recente ao tentar revogar 24 parlamentares do Kuomintang, que mantém a maioria no parlamento e bloqueia iniciativas do governo, incluindo o aumento do gasto militar.

Esta vitória do Kuomintang é vista com satisfação pelo regime chinês, que acusa o PPD de tentar instaurar uma “dominância de um só partido” e praticar “uma ditadura disfarçada de democracia”, um argumento que soa irónico vindo de Pequim. A República Popular mantém a sua agenda de “uma só China”, insistindo que Taiwan é parte legítima do seu território e prometendo retomar a ilha, pela força se necessário.

Os acontecimentos recentes mostram que o trumpismo desestabiliza as certezas dos aliados tradicionais dos EUA. Se, durante a última década, os analistas temiam que uma invasão chinesa a Taiwan pudesse desencadear a Terceira Guerra Mundial, a actual administração americana redefiniu prioridades, trocando a diplomacia tradicional por uma política focada em interesses comerciais.

A questão que permanece no ar é se Washington defenderá de facto Taiwan em caso de ataque, ou se usará a ilha como moeda de troca numa guerra comercial com Pequim. A imprevisibilidade da estratégia de Trump e a crescente fricção interna em Taiwan deixam um futuro incerto para a região.

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.