No coração da cidade do Porto, entre traços de modernidade e raízes bem vincadas, a sede da Fercopor é o espelho da identidade de uma empresa que tem o ADN familiar como bússola. Foi neste espaço que fomos recebidos por Mário Almeida, o empresário que lidera os destinos da promotora imobiliária com a visão de quem conhece o sector por dentro e preserva o legado familiar com sentido estratégico, numa conversa sobre o percurso da Fercopor, o momento que o mercado atravessa e o papel que o imobiliário deve assumir no futuro das cidades portuguesas.
A origem da Fercopor remonta ao ano de 1981 e à visão empreendedora do comendador Alberto Ferreira da Costa, que, em 1968, fundou no Brasil a Rio Ave, uma empresa de referência no sector da construção. Mais tarde, transportou a experiência para Portugal, iniciando a criação da Fercopor. O legado de Alberto Ferreira da Costa continua a ser fonte de inspiração para a equipa, que mantém viva a missão de criar empreendimentos que combinam conforto, elegância e inovação.
Vindo dos sectores da banca e da consultoria, Mário Almeida assumiu o desafio de liderar a nova fase da Fercopor. Em conversa com a Executive Digest, fala sobre o mercado habitacional em Portugal, os principais entraves à oferta, o papel da burocracia, o impacto dos investidores estrangeiros e os planos de futuro da empresa.
Que aprendizagens trouxe das suas experiências anteriores na Auto Sueco, BES e Deloitte?
Acho que o meu percurso foi curto em cada uma das empresas, mas acabou por ser interessante. Na Auto Sueco entrei recém-licenciado, foi interessante fazer parte de uma grande organização. Trabalhei nos serviços partilhados, o que hoje me traz uma visão de uma empresa que tem de estar organizada, em termos de grupo, e que tem de prestar serviços a várias empresas. Acho que aí o que aprendi foi a organização.
Na banca, estive na área comercial, frequentei um curso bancário, cheguei a gestor, e entrei para gestor de clientes particulares, o que acabou por me dar uma visão comercial já que era gestor de clientes num segmento alto, e fazia o contacto com alguns profissionais interessantes de várias áreas.
Depois estive na Deloitte onde aprendi muito. Novamente uma grande organização, a trabalhar com vários segmentos de negócio, numa área muito interessante, de Corporate Finance, onde estive em algumas transacções de empresas, e que enriqueceram muito a minha visão financeira do negócio. Apesar de experiências curtas, o que vivi vou aplicando ao meu dia-a-dia na Fercopor.
Qual é a sua visão do mercado habitacional em Portugal?
O mundo vive uma fase de grande instabilidade, o que se repercute em todas as áreas, e particularmente na área imobiliária. Portugal acaba por ser visto em muitos pontos como um porto seguro, e por vezes parece que quanto mais há instabilidade no mundo, temos novos países a olharem para Portugal como um destino atractivo para mudarem de vida para cá. Isso acaba naturalmente por trazer oportunidades e desafios ao mercado imobiliário.
Por outro lado, vive-se também grandes desafios na parte de produção, na parte de construção, uma grande falta de mão-de-obra, que traz naturalmente dificuldades para o nosso sector, particularmente no Sul, onde se sente mais.
Para além disso, a burocracia continua a ser um tema muito complicado para o nosso mercado, para a habitação, com processos muito demorados que fazem com que a oferta seja ainda mais escassa do que devia. Resumindo, o mercado vive momentos instáveis, mas que tem mostrado sempre ser bastante resiliente no segmento onde actuamos.
Continuamos a sentir uma procura acentuada, felizmente os nossos projectos continuam a ter uma aceitação grande do mercado.
Podemos dizer que o segmento médio-alto não está a sofrer grandes impactos?
Acho que tem desafios, como eu disse, e que são transversais a qualquer segmento, como, por exemplo, o que referi da construção, como referi da burocracia, mas em termos de procura sentimos o mercado a continuar bastante dinâmico.

E a instabilidade governamental do nosso país é também um dos obstáculos?
O que não se vê é reformas que pudessem aliviar essa burocracia, agilizar os processos que realmente seriam absolutamente necessárias, e acredito que estejamos numa fase em que toda a gente tem essa percepção, essa instabilidade adia as reformas necessárias.
A construção nova parece estar destinada a uma classe média-alta. Mas pode de alguma forma ajudar a resolver o problema da habitação acessível?
A construção passa por um desafio inegável. O nosso foco está realmente nas localizações, porque historicamente a Fercopor aposta nesse mercado, num segmento médio-alto.
De toda a forma, parece-me que há sempre um desafio de custo, devido à grande inflação que houve na construção, impossibilitando uma construção mais acessível.
Agora, eu acho que há medidas que podem e devem ser tomadas para que mais promotores possam apostar neste mercado. E vou voltar ao tema, se a carga tributária não fosse tão pesada, permitia que ao mercado chegassem habitações mais acessíveis.
Mas acho que devemos sempre olhar pelo lado de fortalecer a procura, de dinamizar a economia, porque de uma coisa tenho a certeza, não é a diminuir a oferta, seja ela no segmento alto ou não, que se vai resolver o problema da habitação, que é óbvio que existe. E esse problema também não se deve só pela vinda de estrangeiros para cá.
O principal comprador da Fercopor é português, com grande distância, particularmente no Porto. Por isso acho que há medidas que podem ser tomadas: diminuir a burocracia, eventualmente diminuir carga tributária, para que o custo seja menor e que isso possa ser reflectido no preço.
Se fosse um decisor político, que medidas adoptaria para incentivar o investimento privado no sector?
Não sou político, de facto. Mas vou voltar ao tema que já referi… Uma medida que está aos olhos de todos e que é fácil de identificar, é a questão da burocracia que existe e da demora nos processos. Certamente, se os processos fossem mais rápidos, mais ágeis, nós aumentaríamos a oferta e a um custo menor. E isso permitiria, certamente, com o aumento da oferta, que se resolvessem alguns dos problemas da habitação. Tem de haver uma estratégia, não a curto, mas a longo prazo, para se poder reverter esta subida de preços.
O facto de termos investidores estrangeiros a apostar no nosso mercado é uma das principais razões para o preço da habitação subir constantemente?
Sobre este tema, posso falar pela experiência da Fercopor e terei de responder que não, porque os nossos principais clientes não são os estrangeiros. No Porto têm subido os preços, e os estrangeiros são uma fatia muito pequena no nosso volume de vendas no Porto.
Por isso, não é exactamente por aí que o preço sobe e acho que essa vinda de estrangeiros, regrada, como é óbvio, devidamente regrada, só nos traz benefícios. Saibamos nós ter regras, como disse, ter capacidade de o país acolher, e quando digo acolher, não numa vertente social, acho que só traz benefícios ao país e acho que o problema não está seguramente nos estrangeiros o aumento do preço do imobiliário.
Pontualmente pode estar, em determinadas zonas. Obviamente, sabemos que existem algumas colónias de estrangeiros muito focadas em alguns pontos do país e que isso certamente influenciará. Aumenta a procura e não a oferta e vai fazer subir o preço, mas não acho que o aumento generalizado dos custos de habitação esteja ligado assim tanto ao crescimento da procura estrangeira.
E qual a realidade da Fercopor nos dias de hoje?
A Fercopor cresceu muito, como disse, mudou de paradigma no nosso dia-a-dia, mas a nossa procura continua a ser a mesma, o nosso tipo de projecto continua a ser o mesmo, boas localizações, bons projectos, edifícios que tentamos que sejam bastante pensados desde a qualidade dos acabamentos, passando pelas amenities e os edifícios.
Isso fez-nos identificar, como disse, três polos: Porto, Grande Lisboa e Algarve. Estamos hoje com alguns projectos no Porto, onde compramos alguns terrenos que também marcarão os próximos tempos da Fercopor, e acredito, também a cidade do Porto e o imobiliário na Invicta.
Temos ainda duas obras a decorrer em Vila do Conde, que estamos mesmo a entregar agora. Não referi há pouco, mas é aí o berço da Fercopor. O Comendador Alberto Ferreira da Costa, fundador da empresa, foi imigrante no Brasil, mas nasceu em Vila do Conde e teve sempre uma ligação forte à cidade, e foi também onde nós começamos esta nova fase da empresa, e prevemo-nos também manter lá.
Em Lisboa estamos com um projecto, e não temos mais nada para comprar, mas é uma vontade nossa continuar no mercado de Lisboa. No Algarve também estamos com dois projectos em andamento, e é um objectivo estratégico da empresa manter-se lá.

E no que diz respeito a projectos de reabilitação de edifícios?
Não temos feito, não por qualquer tipo de preconceito, mas porque não se tem proporcionado. Temos acabado por comprar mais terrenos, fizemos agora o projecto que estamos a entregar em Vila do Conde, é um projecto que tem a reabilitação de uma casa antiga e uma ampliação, de resto os outros projectos é tudo construção de raiz.
Há alguma aposta em novos segmentos?
Estamos sempre atentos e a desafiarmo-nos internamente se faz sentido apostarmos noutro segmento. Especializamo-nos muito nos últimos anos, e temos tido a felicidade de encontrar terrenos que nos permitem estar neste segmento, que é onde nos sentimos confortáveis.
Não pomos de lado a hipótese de explorar outros segmentos, mas neste momento o nosso foco é realmente na habitação do segmento alto.
E outros mercados?
Neste momento, não. É um pouco como aos segmentos. Também é uma discussão que vamos tendo. Os sócios da empresa são residentes habituais no Brasil, onde a Fercopor tem uma empresa irmã, que é a Rio Ave, no Recife, e que opera no Brasil, particularmente em Pernambuco.
A Rioave é uma empresa com mais de 60 anos, que opera no mesmo segmento que nós, tem mais alguns ramos, mas o principal é a promoção imobiliária. Por isso, no Brasil, certamente, não vamos fazer concorrência à nossa irmã.
Nós identificamos o Algarve, Lisboa e Porto, por entendermos que são mercados onde cabe o nosso produto, e estamos cada vez mais especializados nesse produto.
Noutros países, nomeadamente, aqui ao lado, em Espanha, há mercado que poderia fazer sentido, mas também não podemos ir a todos, e agora também estamos focados aqui um pouco em estabilizarmos no nosso mercado.
Qual é, para si, a receita para o sucesso de uma empresa familiar?
São muitas, e no caso da Fercopor tem tido o sucesso que tem, o crescimento, por vir de uma empresa familiar, por ter uma visão muito cuidada. É muito difícil uma grande empresa, que não tenha começado por ser familiar, vir a ter tanta atenção ao detalhe, o que, no nosso caso se traduz em localizações, projectos, escolha do arquitecto para uma determinada localização.
Por isso, a atenção ao detalhe é quase um vício que vem de uma empresa familiar. E sem dúvida que foi uma base de sucesso importante para a Fercopor, e nós tentamos muito não perder isso neste crescimento que temos. E quando digo no projecto, digo na obra, no pós-venda, a proximidade que existe quer com a equipa, quer com os clientes, com os nossos parceiros, eu acho que vem muito de um ADN familiar.
Isso também traz desafios. Nós temos a felicidade de ter sócios que têm conseguido crescer e passar de geração, e está agora a entrar a terceira geração da família nos negócios, sempre com uma visão empreendedora muito interessante, com uma organização familiar também muito consolidada, que é um desafio, muitas vezes, para empresas familiares, esse crescimento, essa passagem de geração em geração.
Felizmente, a família que é proprietária da Fercopor tem conseguido. Agora, acho que trazendo desafios, que os traz, traz muitos benefícios à raiz familiar que a Fercoport tem.
O Mário também teve um grande voto de confiança por parte da família para liderar o negócio…
Começando pelo início, conheci a família há muitos anos, e foi, de facto, um voto de grande confiança que faz também, muitas vezes, com que tente superar-me ao máximo para honrar a confiança que toda a família pôs em mim e, em particular, o comendador Alberto Ferreira da Costa. Aprendi muito com ele, uma forma de liderança próxima.
É um desafio, no meu caso, em particular, passar de uma realidade de ter meia dúzia de pessoas na empresa, de tudo passar por mim, de saber todos os detalhes e estar em cima de tudo, para uma realidade em que temos de crescer e que temos de delegar.
Para si, qual é o segredo para ser um bom líder?
Acredito que um dos pontos muito importantes de um líder é saber delegar. Constituir uma boa equipa é fundamental. E no meu caso é essa conjugação de tentar estar próximo, delegando, confiando, tendo uma boa equipa, acompanhando sempre o que é necessário, estar presente quando é necessário, mas deixar que as coisas também evoluam sem a presença constante.
Tem sido isso que tenho tentado ser como líder. No fundo, ser próximo, mas delegando, tentando passar muito, o que referi à pergunta anterior, o ADN da família, a visão que a família tem. Porque a família é muito presente no negócio, no dia-a-dia, ainda que muitas vezes à distância, fazem parte do dia-a-dia da empresa.
Muitas vezes o meu papel, enquanto líder da empresa, também é conseguir passar esse ADN, que actualmente já considero um bocadinho meu, depois de tantos anos, a toda a empresa. Nós tentamos focar muito na qualidade do serviço, desde que o cliente nos contacta, até ao momento em compra, depois quando acompanha a obra, quando é feita a escritura, no pós-venda. Passar esses valores a uma equipa que cresce, que tem crescido quase todos os dias, é um dos desafios a que estamos sempre muito atentos.
Como prevê que seja o mercado habitacional nos próximos anos?
É muito difícil fazer previsões, porque vivemos realmente uma fase instável no mundo, por diversos motivos.
Portugal transformou-se muito, o mercado português transformou-se muito nos últimos anos, e realmente no imobiliário é muito difícil fazer qualquer tipo de previsão.
A longo prazo a história mostrará que o imobiliário é um sector com resiliência e de crescimento.
Os sinais que temos são positivos, a Fercopor continua apostada em continuar cada vez mais presente no imobiliário em Portugal.
Temos comprado novos activos, temos projectos para os próximos anos. Acreditamos muito que o mercado se vai manter numa fase boa, mas temos todos que estar atentos à instabilidade que temos aí pelo mundo fora.














