A saúde do mestre Beethoven já se deteriorara tanto que não conseguiu comandar a estreia de uma de suas grandes obras, e que era caso de ‘tudo em letras maiúsculas’. Era a sua última obra completa, que viria a tornar-se uma das suas mais célebres e simbólicas.
No Kärntnertortheater de Viena, foi Michael Umlauf quem conduziu a orquestra. Assim, em 7 de maio de 1824, estreou na capital imperial austríaca a Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, que inclui o Hino da Alegria, o quarto movimento da nona sinfonia baseado no poema escrito por Friedrich von Schiller em 1785.
Cento e sessenta e dois anos depois, em 29 de maio de 1986, a Comissão Europeia, na presença do presidente Jacques Delors, utilizou pela primeira vez essa seção da Nona Sinfonia como o hino da Comunidade Económica Europeia durante a primeira cerimónia de hastear da também recentemente adotada bandeira azul com as doze estrelas.
O Hino da Alegria, que agora comemora duzentos anos desde a sua estreia, embora tenha sido escrito há 202 anos, está indissociavelmente ligada à União Europeia, mas o caminho até se tornar a música oficial do bloco foi longo.
A história dos símbolos da Europa é sinuosa. Após a Segunda Guerra Mundial, os esforços foram sempre liderados pelo Conselho da Europa (uma instituição que não pertence à União Europeia, não confundir com o Conselho da UE), tanto na bandeira quanto no hino, mas depois foram adotados pelo grupo comunitário.
Beethoven, nascido em Bona em 1770, foi muitas coisas. Símbolo do nacionalismo alemão em busca de sentido, encarnação dos valores arianos para os nazis, uma figura disputada, como todas as figuras históricas alemãs relevantes, entre a República Federal da Alemanha e a República Democrática da Alemanha como representantes da verdadeira Alemanha após a Segunda Guerra Mundial… e símbolo da Europa.
Como observou em 1996 David B. Dennis no livro “Beethoven na política alemã”: “Beethoven era um adepto do despotismo esclarecido; Beethoven era um idealista revolucionário. Beethoven era um admirador de Napoleão; Beethoven era inimigo de Napoleão. Beethoven era um compositor de música revolucionária; Beethoven era um compositor de música militar patriótica. Beethoven foi todas essas coisas e nenhuma delas”.
O compositor até desempenhou um papel no Brexit, tornando-se alvo dos conservadores britânicos quando começaram a endurecer sua deriva eurocética no final dos anos noventa, considerando inaceitável que um compositor alemão tivesse alguma relação com o Reino Unido.
Procurar as origens do hino da Europa é escrutinar as raízes da aspiração da integração europeia. Do horror da carnificina da Primeira Guerra Mundial, das trincheiras inundadas pela onda de gás cloro em Ypres, que matou milhares de jovens europeus, do trauma coletivo que representou a implosão do mundo de ontem convertido em uma carnificina que deixou mutiladas fisicamente, espiritualmente e politicamente gerações de europeus, surgiu em Viena, coração do que tinha sido um império multinacional, o Movimento Paneuropeu, fundado em 1923, o mesmo local onde 99 anos antes se tinha representado pela primeira vez a Nona Sinfonia, com esse quarto movimento cheio de tensão, no qual, no meio dele, como um sussurro, começam a aparecer pouco a pouco as notas suaves do Hino da Alegria.
Richard von Coudenhove-Kalergi foi fundador e presidente do Movimento até à sua morte. Foi ideia do conde de Coudenhove-Kalergi utilizar o Hino da Alegria para encerrar as reuniões da organização a partir de 1929. É o primeiro registo que há do uso da sinfonia de Beethoven relacionado com movimentos de integração europeia.
Seria uma peça-chave no desdobramento da simbologia da União, e que hoje é indissociável do bloco a que pertencemos














