Banca mundial: turbulência ou oportunidade?
Dos casos do Silicon Valley Bank até ao Credit Suisse, os mercados viram-se cobertos por uma nuvem de incerteza quanto ao futuro, com um aperto monetário a deixar ainda mais turvas as previsões para o caminho da economia mundial.
«A banca mundial, e em particular a banca europeia, encontra-se numa situação robusta, preparada para acolher o aforro dos seus clientes, para financiar as economias e com resiliência para casos como os recentemente ocorridos nalgumas instituições nos Estados Unidos da América (EUA) e na Suíça», considera António Henriques, CEO do Bison Bank e da Bison Digital Assets, em declarações à revista Risco.
Estes acontecimentos, circunscritos a algumas instituições, resultam, de forma mais ou menos directa, da rápida subida de taxas de juro nos bancos centrais, para conter a inflação, o que, por sua vez, resulta numa melhoria da margem financeira dos bancos.
No entanto, alerta, este cenário pode criar eventuais desequilíbrios em carteiras com aplicações mais expostas à sua mexida. Por sua vez, estes desequilíbrios podem gerar perda de confiança dos clientes e daí resultar num movimento de corrida aos depósitos.
«A banca mundial atravessa um terreno recheado de proveitos, derivados da subida dos juros, mas minado por casos residuais de má gestão e a inevitável preparação de um cenário de arrefecimento económico», explica à Risco Mário Martins, analista da ActivTrades.
Quais os casos e de que forma podem impactar o sector bancário nacional?
O colapso do Silicon Valey Bank
No passado dia 10 de Março, os mercados acordaram com a notícia do colapso do Silicon Valley Bank, um banco fundamental no ecossistema das startups, muito ligado ao sector das tecnologias e repentinamente em dificuldades, tendo confiado o controlo dos depósitos à agência responsável pela sua garantia (FDIC).
A queda do Silicon Valley Bank (SVB) advém fundamentalmente de erro de gestão, tal como costuma ocorrer com todas as quedas de instituições bancárias. Neste caso específico, deriva principalmente da exposição excessiva a um determinado activo que, devido a um evento inesperado, acaba por perder o seu valor.
Este cenário deve-se ao facto de a gestão do banco não ter feito os reajustamentos necessários para acautelar um desenvolvimento inesperado, como o caso da subida das taxas de juro, que levou os clientes do banco a começarem a necessitar de maior liquidez, o que os levou a retirar capital.
Como o SVB detinha mais de 50% do seu capital em obrigações, a administração decidiu colmatar as suas necessidades de liquidez com a venda de um portefólio de obrigações na ordem dos 21 mil milhões de dólares (19,7 mil milhões de euros). No entanto, com a subida das taxas de juro, o valor das obrigações caiu bastante, o que originou uma perda de 1.8 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) nas contas do banco.
Esta é das falências mais importantes de um banco nos EUA desde a crise económico-financeira de 2008. Recorde-se que, em termos de dimensão de activos, as falências mais preponderantes foram as do HBOS (Reino Unido), em 17 de Setembro de 2008, com 690 mil milhões de libras (762 mil milhões de euros), a do Washington Mutual (EUA), em 25 de Setembro de 2008, com activos de 307 mil milhões de dólares (288 mil milhões de euros), e agora a do SVB, que tinha activos de 209 mil milhões de dólares (196 mil milhões de euros).
Maior banco suíço cai nas mãos de concorrente
Dias depois do colapso do Silicon Valley Bank, veio outra notícia com grande impacto na banca deste lado do Atlântico.
O Credit Suisse Group, um banco suíço de investimento, um dos maiores do país e com um grande relevo a nível internacional, que está a atravessar o seu pior momento em 167 anos de história, viu as suas acções caírem 30%, um novo mínimo, depois de o Banco Nacional Saudita, o seu principal accionista, ter dito que não daria mais assistência financeira ao banco suíço para fazer face às suas dificuldades.
Resultado? O Banco Central da Suíça garantiu um empréstimo de até 50 mil milhões de francos suíços (50,7 mil milhões de euros) para “fortalecer” as contas da instituição, mas o credor suíço acabou por ser comprado por um dos seus principais concorrentes, o UBS, por 3.000 milhões de francos suíços (3,02 mil milhões de euros).
Recorde-se que o banqueiro português António Horta Osório, depois do trabalho de resgate bem-sucedido no Lloyds Bank, no Reino Unido, assumiu o leme do Credit Suisse para resolver os diversos problemas identificados no credor suíço.
E a saída do banqueiro português em Janeiro de 2022 foi apenas mais um episódio nos constantes acontecimentos no banco helvético, entre mudanças na alta administração, perdas multimilionárias e estratégias de gestão duvidosas.
O banco tem vindo a registar perdas milionárias durante dois anos: em 2021 ascenderam a 1.572 milhões de francos suíços (1.600 milhões de euros) e em 2022 quase quintuplicaram para 7.293 milhões de francos (7.400 milhões de euros).
A situação é tão grave como a de 2008?
Ambos os anúncios causaram turbulência nos preços das acções em todo o sector da banca, no entanto, é de sublinhar que os dois bancos encontraram dificuldades por razões muito diferentes.
Por um lado, os problemas do Silicon Valley Bank surgem devido à sua alta exposição a startups tecnológicas. No caso do Credit Suisse, o preço das acções tem vindo a descer nos últimos dois anos, tanto por falhas de gestão de risco, como pela exposição do banco à Archegos Capital Management, que colapsou em 2021.
«A banca é realmente um jogo de confiança. Não há nenhum banco no mundo que sobreviva se cada um dos depositantes entrar e retirar o seu dinheiro. É aí que a boa regulação e a prudência são cruciais», diz Justin Bisseker, analista de bancos europeus da gestora de activos Schroders.
Bisseker diz que o acordo de venda do Credit Suisse ao UBS veio impedir uma “implosão desordenada” do credor suíço, e que esta situação é positiva para a banca europeia, porque não tem qualquer interpolação para outros bancos.
Por sua vez, Jonathan Harris, Global Credit Investment director, afirma que «a situação que o sector da banca enfrenta é muito diferente e muito menos grave do que a da crise financeira de 2008. As empresas bancárias são muito mais conservadoras, o capital é várias vezes superior ao que era em 2008, a liquidez é regulada de perto e os bancos centrais estão muito melhor posicionados para responder, dadas as suas experiências desde 2008».
«No entanto, a confiança foi claramente abalada, pelo que continua a ser importante que todas as autoridades relevantes abordem as fragilidades detectadas no sistema bancário para restaurar essa confiança», sublinha.
Mário Martins também considera que esta situação é «totalmente diferente» da verificada em 2008, «desde logo porque a robustez do sector é muito superior, nomeadamente nas instituições designadas com “riscos sistémicos”».
O CEO do Bison Bank partilha da mesma opinião e considera que a situação que o sector da banca enfrenta neste momento é substancialmente diferente e muito menos grave do que a crise financeira de 2008.
«O negócio dos bancos é agora muito mais conservador: o capital é múltiplas vezes superior ao que era em 2008; a liquidez é regulada de forma mais próxima; e os bancos centrais estão mais bem posicionados para reagir, tendo em conta as experiências vividas desde 2008», explica.
As ondas de choque em Portugal
A turbulência na banca mundial tem afectado todos os mercados, no entanto, a regulação interna faz com que o impacto seja variável na economia de cada um dos países e nas suas instituições.
Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), disse que o banco central tem uma postura confiante no que respeita à solidez financeira das instituições bancárias sediadas no nosso país.
«Nada mudou nos dados que estamos a monitorizar para os bancos portugueses», disse Clara Raposo, numa entrevista no passado dia 4 de Março à Bloomberg TV.
A vice-governadora do BdP sublinhou ainda que, «em Portugal, quando olhamos para os números do sector bancário no final do ano de 2022, encontramos melhores indicadores do que os que tínhamos em 2019, antes da pandemia».
Destacando a acção dos bancos centrais na análise dos dados e informação do sector bancário de todos os países, Clara Raposo também destaca que «as instituições portuguesas de menor dimensão estão a ser acompanhadas por nós, estamos a seguir todo o seu percurso».
«Não vimos sinais que nos preocupassem, pelo menos não diferem dos dados gerais da economia global», acrescentou.
No que respeita a um possível impacto na banca nacional, o CEO do Bison Bank considera que «o impacto dos recentes eventos em Portugal deverá ser muito residual. A exposição às instituições afectadas a nível internacional é reduzida e a situação de liquidez e de capitalização da banca portuguesa é bastante robusta».
«A banca portuguesa está hoje muito melhor preparada para enfrentar momentos de incerteza ou mesmo crise», sublinha.
O analista da ActivTrades considera também que o nosso país estaria preparado para eventuais problemas na banca, «porque a supervisão e regulação são as mesmas para a banca da Zona Euro, embora possam ocorrer casos de má gestão que levem a problemas numa ou outra instituição».
Qual o papel dos bancos centrais?
Os bancos centrais têm estado no centro do furação económico internacional. O seu papel de controlo da inflação e de regulação do sector bancário coloca nestes o foco e as perspectivas de futuro para a economia internacional.
No caso concreto da turbulência bancária que atravessamos, os bancos centrais «foram decisivos em estancar desde logo a hemorragia de confiança e isso demonstrou ser altamente efectivo», considera Mário Martins.
António Henriques partilha da mesma visão e assegura que o papel dos bancos centrais é fundamental e tem sido claramente efectivo. «Uma possível crise no sistema bancário parece ter sido contida, após as medidas tomadas pelas autoridades americanas e suíças. Alguns dos problemas que se tornaram públicos recentemente são antigos e bem conhecidos dos supervisores, sendo que a sua resolução estava a ser preparada há algum tempo», explica.
O sector bancário da Zona Euro é forte
A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse aos líderes da União Europeia que o sector bancário da Zona Euro é forte, apesar da contínua turbulência do mercado.
Durante o encontro de líderes da UE em Bruxelas, no passado mês de Março, onde foram discutidas questões económicas e monetárias, Lagarde disse que o sector bancário europeu resistiu devido a um forte regime regulatório, sublinhando que estão agora por concluir os planos para uma união bancária.
A presidente do BCE sublinhou ainda que não há troca entre estabilidade de preços e estabilidade financeira, dizendo que o banco central continua determinado a trazer a inflação de volta para os 2%.
Nesse mesmo encontro, o ministro das Finanças, Fernando Medina, garantiu que o sistema bancário europeu não é comparável aos dos EUA, sendo «mais robusto» e com «regras mais apertadas».
«O sistema bancário europeu está sujeito à supervisão do Banco Central Europeu (BCE), tem regras mais rígidas [do que as dos EUA], está muito mais robusto, a supervisão e a regulação tiveram uma mudança grande nestes anos pós-crise financeira [de 2013].»
O CEO do Bison Bank considera que os episódios recentes nos EUA e na Suíça «dificilmente poderiam ocorrer na Zona Euro», principalmente devido à maior diversidade no financiamento, não dependendo assim unicamente dos depósitos. Além disso, a base de depositantes é mais diversa e não tem a sua esmagadora origem num só sector, pelo que o impacto das subidas das taxas de juro será mais mitigado.
Por outro lado, reforça António Henriques, os capitais da banca na Zona Euro têm vindo a ser fortemente reforçados – e, nos dias que correm, até os accionistas dos bancos são avaliados, tendo em conta a sua disponibilidade para eventuais capitalizações futuras.
«Actualmente, há uma maior atenção aos indicadores de liquidez do que havia em 2007-2008. Foi criado um indicador para aferir a pressão a curto prazo (LCR) e outro para perceber o financiamento estável a médio e longo prazo (NSFR). Nestes indicadores, o sector bancário europeu – e o português – têm estado em muito boa posição», sublinha.
Que futuro para a banca?
Apesar dos episódios que testaram a solidez do sector bancário mundial, os especialistas mostram-se optimistas quanto ao futuro da banca, e falam de um sector resiliente. No entanto, deixam os alertas para a necessidade de uma gestão eficiente para fazer frente ao período de alta inflação que atravessamos.
«Acreditamos claramente num futuro sólido e robusto por parte da banca. A banca é resiliente aos desafios do momento, como a subida das taxas de juro, e aos desafios estruturais que se lhe colocam, como a digitalização e novas necessidades por parte dos seus clientes», considera o CEO do Bison Bank, acrescentando que a banca estará seguramente preparada para desempenhar com êxito o seu papel essencial de acolher o aforro dos seus clientes e para financiar a economia.
Já o analista da ActivTrades considera que «dependerá essencialmente da qualidade da gestão particular de cada empresa». No entanto, sublinham, «enquanto os juros se mantiverem elevados há espaço para expansão dos lucros, contudo, é preciso enquadrar o cenário dentro de um panorama de recessão nos próximos meses».