CMVM: Em 2021 pode haver risco dos dois lados no mercado obrigacionista
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) alertou hoje para a possível materialização de riscos, em 2021, no mercado obrigacionista, quer pelos devedores quer pelos emitentes, num relatório hoje divulgado.
De acordo com o regulador do mercado, num “futuro próximo”, “a materialização de incumprimentos relativos a emissões de obrigações ou outros instrumentos financeiros, bem como a possibilidade de colapso/dificuldades das próprias entidades emitentes, sobretudo num período de maior fragilidade social e em que termine o prazo das medidas de suporte às famílias e empresas” constituem “riscos acrescidos”.
Segundo o regulador do mercado, que elenca este perigo numa secção dedicada ao risco de crédito nas famílias, o risco relativo a obrigações ou outros instrumentos financeiros pode ter “impacto relevante nas aplicações de poupança das famílias”.
Em função da realidade pandémica, “a quebra de rendimento irá acarretar menor capacidade de servir a dívida e maior incumprimento” nos agregados familiares, antecipa a CMVM.
“Em Portugal, a redução do rendimento disponível foi induzida sobretudo pela redução das horas trabalhadas (possibilitado pelo regime de ‘layoff’ simplificado e pelos apoios a trabalhadores independentes) e por uma redução da atividade (entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, cerca de 224 mil indivíduos transitaram do emprego para a inatividade e 119 mil indivíduos transitaram do desemprego para a inatividade)”, recorda a entidade presidida por Gabriela Figueiredo Dias.
O regulador do mercado salienta que contrariamente do que aconteceu na zona euro, em Portugal “assistiu-se a um aumento dos custos de financiamento durante o primeiro semestre de 2020”, dado que “a TAEG [taxa anual de encargos efetiva global] média dos novos empréstimos a particulares atingiu 2,2% no caso da habitação e 9,1% no caso do consumo, um acréscimo de 0,2 p.p. [pontos percentuais] e 0,3 p.p., respetivamente, em relação a dezembro de 2019”.
Também os montantes de novos empréstimos baixaram 6,5% e 12,5% na habitação e 6,3% e 41,4% no consumo no primeiro e no segundo trimestres de 2020, respetivamente, de acordo com o relatório.
“Até ao final de setembro, os bancos portugueses aplicaram as moratórias a 751.725 contratos que representam cerca de 20% do ‘stock’ de crédito, figurando Portugal entre os países europeus que mais concederam moratórias, com 42% dos contratos a dizerem respeito a crédito à habitação, 29% a crédito ao consumo e 29% a crédito a empresas”, pode ainda ler-se no documento.
A CMVM antecipa que o peso do crédito em incumprimento aumente “no futuro em virtude da conjuntura económica adversa e da transitoriedade das medidas adotadas”, causando “maior pressão sobre o sistema financeiro” e sendo “mais que provável” a subida do crédito malparado.
Esta entidade considera que o risco de crédito é um dos “três riscos fundamentais” em 2021, a par do risco de mercado e riscos ambientais e sociais, segundo disse na sexta-feira a presidente Gabriela Figueiredo Dias.
“Neste exercício identificámos três riscos fundamentais para 2021: risco de crédito, risco do mercado e riscos ambientais e sociais”, disse aos jornalistas a presidente da CMVM, numa conferência de imprensa realizada por videoconferência relativa às prioridades do regulador para este ano.
Relativamente ao risco de crédito, “este havia já sido identificado em 2019 como um possível risco relevante ou muito relevante para 2020, e naturalmente que não poderíamos ter antecipado o nível de impactos que vieram efetivamente a verificar-se por força da crise pandémica”, disse a responsável máxima do regulador do mercado.