São mais de 350 arguidos, 700 advogados e 900 testemunhas. O maior julgamento da máfia italiana das últimas três decadas arrancou a 13 de janeiro e traz agora novos desenvolvimentos. Muitos dos arguidos, entre os quais políticos, oficiais da polícia e empresários, são agora chamados a responder por acusações de lavagem de dinheiro, ao terem aberto empresas no Reino Unido, com o suposto objetivo de simular uma atividade económica legítima, como explica o ‘The Guardian’.
O julgamento, que decorre num tribunal de alta segurança, construído na cidade de Lamezia Terme, na Calábria, conta com uma sala totalmente adaptada ao grupo mafioso mais poderoso de Itália, a Ndrangheta, que dominava a entrada de cocaína na Europa.
“Os interesses da Ndrangheta no Reino Unido têm figurado de forma proeminente, pois os clãs usaram o país como base de investimento e lavagem de dinheiro”, disse Nicola Gratteri, a promotora cuja investigação culminou no julgamento, citou o ‘The Guardian’.
A Ndrangheta, com sede na região sul da Calábria, no extremo da “bota italiana”, é considerada uma das organizações criminosas mais ricas e mais temidas do mundo. Um estudo do Instituto de Pesquisa Demoskopita de 2013 estimou que a solidez financeira do grupo mafioso superava a do Deutsche Bank e do McDonald’s juntos, com uma faturação anual de 53 mil milhões de euros.
Na última década, centenas de investigações confirmam que a Ndrangheta lavou milhões de euros na cidade.
De acordo com o coronel Claudio Petrozziello, da Guarda de Finanças de Itália, que controla os fluxos ilícitos de capital, “os clãs da Ndrangheta no Reino Unido não têm interesse em controlar o território local, apenas em explorar o sistema financeiro”. “Não é que não haja regras em Londres”, disse ao ‘The Guardian’, “o problema é que o risco de infiltração da máfia é subestimado”, alertou.
Um relatório de 2019, da Diretoria de Investigação Antimáfia de Itália, afirma que organizações criminosas, como a Ndrangheta, lavaram milhões de libras por ano através de bancos britânicos.
Brexit pode ameaçar aumento da atividade mafiosa
Um novo problema parece emergir agora com o Brexit. De acordo com investigadores italianos, ouvidos pelo ‘The Guardian’, os clãs da Ndrangheta podem tentar tirar proveito da saída do Reino Unido da União Europeia, se, como eles temem, a cooperação policial e judicial entre a UE e o Reino Unido se mostrar menos eficaz do que quando ambos os países estavam no bloco.
“As máfias estão hoje a mover-se entre países e continentes. Onde encontram fraquezas na cooperação internacional, exploram essa oportunidade”, explicou ao ‘The Guardian’ o promotor nacional antimáfia de Itália, Federico Cafiero De Raho.
Entre as consequências do Brexit está a saída do Reino Unido do Mandado de Detenção Europeu (MDE), que permitia a extradição rápida, bem como da Ordem de Investigação Europeia (EIO), que autorizava os países a convocar um Estado membro para conduzir uma investigação.
A Covid-19 e a crise financeira gerada pela pandemia aumentaram ainda mais o risco de que a Ndrangheta pudesse aprofundar a sua atividade nos mercados internacionais.
A investigação começou por uma dúzia de grupos ligados ao líder da Ndrangheta, Luigi Mancuso, conhecido como “Uncle” (tio). Entre os vários crimes por que estão a ser julgados destaca-se o tráfico de drogas e armas e extorsão.













